terça-feira, 1 de abril de 2008

Carlos Nobre fala sobre aquecimento global


Carlos Nobre reafirma que depois da publicação do relatório do IPCC não resta dúvida de que somos responsáveis pelo aquecimento global. "O IPCC fez previsões de que o gelo sumiria até 2050. Agora outras previsões recentes estão falando de 2030. Do ponto de vista econômico, muitas companhias de navegação vão comemorar porque farão navegação da Europa à Ásia de um jeito mais fácil. Mas essa mudança é uma mudança brutal que o planeta não vê a 125 mil anos pelo menos. Esse é um ponto sem retorno. O outro é que o derretimento rápido do gelo de parte da Antártica e Groenlândia faria o nível do mar crescer de 3 a 4 metros, não mais em três mil anos, mas em 100 a 200 anos".

O pesquisador do Inpe também fala sobre as conseqüências que o aquecimento global poderá trazer para a floresta Amazônica e se já cruzamos ou não um ponto sem retorno. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu ao Notícias da Semana.

Instituto Ethos - Quando saiu o relatório do IPCC , os cientistas foram a fundo nessa história da parcela de culpa da ação humana no aquecimento global, mas agora estão surgindo outras correntes. Os céticos acreditam que o aquecimento da Terra está associado ao curso natural do planeta. Como que o senhor vê isso?

Carlos Nobre - Eu acho que é importante um esclarecimento: o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas é um conjunto, pois dos três relatórios do IPCC há aproximadamente 450 autores e 2500 cientistas que participaram de alguma maneira, muitos revisando os documentos, mandando sugestões, críticas, comentários. Então um relatório do IPCC que saiu no ano passado é um trabalho coletivo de diversos atores. É por isso que ele é muito forte. O que está acontecendo depois da repercussão enorme que esse trabalho teve é que os críticos, alguns da comunidade científica, outros não, vão à mídia, que se baseia em um princípio de ouvir opiniões dissonantes e ficou parecendo que o IPCC 'é um autor'. De repente, começam a aparecer um, dois, três, que criticam. Então essa idéia de pluralismo que a mídia sempre carrega, desbalanceou o discurso, porque o IPCC não é uma pessoa, é um consenso de 2500 cientistas que trabalham em todos os aspectos das mudanças climáticas. E o que você vê é esse enorme consenso sendo debatido contra uma, duas, três pessoas.

Então é importante registrar que o IPCC é feito de uma maneira conjunta, não há autor individual. Não há uma pessoa que responde: "Eu escrevi esse capítulo", ou "Essa é a minha pesquisa", não é assim. E é por isso que ele é forte. Já os céticos, os chamados céticos, que são uma, duas, três pessoas, aparecem mais. Então o equivalente seria os céticos se reunirem e fazerem uma avaliação e uma crítica daquilo, mas eles não fazem, porque não têm tanta densidade e tanto conceito crítico em relação ao relatório do IPCC. Eles usam de uma tática conhecida que é usar a idéia do pluralismo na imprensa para adquirir um peso específico na discussão que eles não teriam coletivamente. Isso é importante mencionar, porque às vezes os nomes dos céticos são muito mais conhecidos do que os nomes do IPCC.

IE - O senhor acha que o aquecimento global está associado a qual fenômeno?
CN - O aquecimento global como nós nos referimos como ação humana é o fato de você estar propiciando uma mudança climática que num planeta em condições naturais pode levar 20 mil anos em 200 anos. Então 200 anos divididos por 20 mil anos é como nós estarmos acelerando os processos naturais 100 vezes. A grande diferença é que processos naturais, globalmente, eles mudam sim, bastante, as temperaturas e as condições climáticas. As condições climáticas no pico das glaciações eram diferentes. Circulações atmosféricas, circulações oceânicas eram diferentes. Nem duvido, isso é muito conhecido. O problema é que nós estamos mudando 100 vezes mais rápido, e essa velocidade é um resultado da ação humana. É uma quantidade muito grande de gases do efeito estufa, esses gases que aquecem a superfície abaixo da atmosfera. Colocamos uma quantidade muito maior do que a atmosfera consegue se livrar.

Não resta quase nenhuma dúvida para a comunidade científica de que o aquecimento global nos últimos 50 anos, com mais de 90% de certeza, é causado pela ação humana. São os gases que a gente emite e ninguém duvida. Por exemplo, absolutamente ninguém duvida que a quantidade desses gases está aumentando na atmosfera. Isso as medidas globais mostram. Ninguém também duvida que a maior parte desse aumento vem da queima de carvão, petróleo, gás natural, florestas, emissão de metano pelo gado, e tudo isso. Então, a pergunta que às vezes tem que ser colocada até para os céticos é: Se você coloca todos esses gases na atmosfera, ao ponto em que em 50 anos nós vamos dobrar a quantidade desses gases em relação ao período pré-industrial, por que esses gases não estariam aquecendo? Se eu fosse colocar uma pergunta para um cético ele teria que explicar qual o mistério do sistema climático. Você dobra a quantidade desses gases que causa o aquecimento e eles não estão aquecendo? Não é verdade, eles estão aquecendo sim, e não há nenhuma coisa tão forte que consiga compensar o aquecimento. O que alguns céticos um pouco mais esclarecidos dizem é que a projeção dos modelos climáticos é exagerada, que realmente os gases estão aí, que os gases aquecem, mas eles acham que o aquecimento é menor do que o que os modelos indicam. Isso eu acho até uma crítica que vale a pena responder.

IE - O senhor acha que há uma possibilidade de mudar em uma velocidade que a ciência pede? Porque tem que mudar já, ontem, mas os acordos multilaterais demoram...
CN - Anteontem, porque os cálculos que são feitos hoje mostram que a gente só teria condição de reverter o aquecimento global se tivéssemos diminuído as emissões depois da Segunda Guerra Mundial, quer dizer, quando não se falava praticamente nisso, a não ser em círculos científicos muito restritos, ainda assim como assunto acadêmico pouquíssimo discutido naquela época. Mas, se a gente tivesse, depois de 1942, procurado uma maneira de substituição de uso, aí, eventualmente, conseguiríamos reverter a situação e a temperatura voltaria a ser o que era antes da Revolução Industrial. Quando nós nos demos conta do fenômeno, já na década de 1990, quando o mundo se preparou para responder ao fenômeno na Convenção do Clima, em 1992, no Rio de Janeiro, e com o Protocolo de Kyoto, ai já era muito tarde, e não dava para reverter. O máximo que 'otimisticamente' falando é possível fazer é tentar estabilizar as concentrações na atmosfera num nível que permita que a temperatura não suba muito mais do que 2 graus ou 2 e meio graus. E isso é um esforço gigantesco. É isso o que a ciência está dizendo que deve ser feito. Até porque até a ciência sabe que não dá mais para reverter. E já se tornou irreversível numa escala de milhares de anos. Não dá para abaixar a temperatura em milhares de anos.

IE - O senhor acha que a gente vai conseguir ter essa mudança cultural, que isso vai vir das pessoas, delas mudarem seu padrão de carro, de construção, tudo isso que vem sendo demandado?
CN - Olha, é necessário. É muito difícil fazer previsão sobre como sistemas sociais respondem a desafios. É difícil prever a evolução futura de respostas de sistemas sociais, de sistemas humanos. Por isso, eu acho que seria um pouco irresponsável eu prever como será a resposta. O que eu posso dizer é que isso é absolutamente necessário. Agora, a inércia das instituições globais para tratar desse problema é muito grande, nós estamos vendo as dificuldades que os países têm em acordar sobre metas rápidas e urgentes de redução, alguns estão mais avançados, como a Europa, outros estão mais atrasados, como os Estados Unidos. Então, por que eu não posso ser nem pessimista nem otimista? Não posso ser pessimista porque sistemas humanos às vezes mudam rapidamente, as transições culturais não são lentas e suaves, onde você consiga ver um padrão. De repente muda. E tanto para um lado quanto para o outro. Pode ir para um lado mais otimista, onde as pessoas rapidamente adquirem uma nova consciência e a tecnologia está avançando para tornar o planeta mais limpo. Essas tecnologias podem ser implementadas ou não. Ou ainda pode ir para o outro lado também, em que as pessoas não se importam muito porque poderá significar muitas alterações no estilo de vida, nos hábitos delas, e aí demorar muito mais. Não há como prever evolução de sistemas humanos. Eu trabalho muito em pesquisa em questões da Amazônia, quer dizer, eu estou trabalhando exatamente nisso agora, quero ver se consigo desenvolver umas pesquisas para saber quando que a gente cruzaria num ponto sem retorno para a Amazônia, acho que não cruzamos ainda.

IE - O senhor acha que não cruzamos ainda?
CN - Não, na Amazônia não cruzamos ainda, acho eu. Estamos estudando muito isso, mas eu quero ver se a gente consegue aumentar a nossa capacidade de previsão, quais seriam os limites para a Amazônia de aquecimento global, de desmatamento, de tal modo que se passássemos esses limites a Amazônia mudaria muito a floresta, já que a floresta vai perder muito e aí não tem mais volta, pelo menos não tem mais volta numa escala de séculos e séculos e séculos.

IE - Mas pelo o que o senhor tem visto, estamos próximos desses limites?
CN - Não, aí não dá para dizer, da Amazônia não dá para dizer.

Maria Luiza Malozzi /Edição: Andréa de Lima

Fonte: Instituto Ethos

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