quarta-feira, 11 de abril de 2007

Aumento do nível do mar destrói arquipélago na Índia

Somini Sengupta
Na Ilha Ghoramara, Índia


Shyamal Mandal vive à beira da ruína. Em frente à sua pequena casa de estuque estão os destroços daquela que já foi a sua vila nesta frágil ilha no delta de um dos rios que formam a Baía de Bengala. Metade da ilha já afundou no rio.

J. Adam Huggins/The New York Times)
Cientistas dizem que ação humana no meio ambiente tornou Ghoramara mais vulnerável

Somente algumas famílias ainda vivem perto da água, e aquelas que ficaram estão rodeadas por lembretes da destruição inexorável: uma canoa semidestruída e abandonada, um coqueiro que balança sobre uma colina, as marcas do que restou do tanque de peixes da família.

Tudo o que separa a casa de Mandal da água é um dique rudimentar de barro, e ele confessa que é impossível prever quando esta última barreira também desabará. "Não sabemos o que acontecerá depois", diz ele, resumindo a sua única certeza.

O afundamento de Ghoramara pode ser atribuído a uma conjunção de desastres, naturais e humanos, sendo que um dos mais importantes é o aumento do nível do mar. Os rios que descem as montanhas do Himalaia e deságuam na baía incharam e mudaram de curso nas últimas décadas, fazendo com que esta e as outras ilhas delicadas conhecidas como Sundarbans, na embocadura da baía, passassem a correr um risco diário.

Não há dúvidas de que a natureza teria obrigado essas ilhas a mudar de tamanho e formato, engolindo algumas e fazendo com que outras aparecessem. Mas, segundo os cientistas, não há como negar que a mudança climática provocada pelos humanos tornou as ilhas especialmente vulneráveis.

Um estudo recente realizado por Sugata Hazra, oceanógrafo da Universidade Jadavpur, na cidade vizinha de Calcutá, revelou que nos últimos 30 anos quase 80 quilômetros quadrados das ilhas Sundarbans desapareceram inteiramente.

Mais de 600 famílias tiveram que se mudar, segundo as autoridades do governo local. Campos e lagos ficaram submersos. De acordo com o estudo de Hazra, a própria Ghoramara encolheu para menos de cinco quilômetros quadrados, cerca de metade do seu tamanho em 1969. Duas outras ilhas desapareceram completamente.

As Sundarbans formam um dos maiores arquipélagos de delta de rio em todo o mundo. Sob o ponto de vista geológico, as ilhas são jovens e ainda estão em formação, sendo cortadas por uma rede intrincada de riachos e tributários abundantes na fronteira entre Índia e Bangladesh. Desde que os britânicos as colonizaram há 150 anos em busca de madeira, os manguezais vêm sendo sistematicamente destruídos - metade das ilhas perdeu a sua cobertura florestal - e a população cresceu.

Hoje em dia o aumento do nível do mar e a destruição das florestas ameaçam o habitante mais notável das Sundarbans, o real tigre de Bengala, que bebe essas águas salgadas e tem um apetite por carne humana. A degradação ambiental também ameaça os mal percebidos moradores humanos: somente no lado indiano da fronteira há quatro milhões de pessoas morando nas ilhas.

O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática prevê que o aquecimento global, causado pelo acúmulo de gases que aprisionam calor na atmosfera, poderá provocar uma elevação do nível do mar de 58,5 centímetros até 2100 (segundo o último relatório do painel, divulgado em princípios de abril, as espécies nativas e a população deste sistema estuarino estão entre as mais vulneráveis em todo o mundo).

No decorrer dos anos, à medida que a terra rachava e caía na água, a população de Ghoramara começou a se mudar para o interior da ilha. Mandal fazia parte daquele grupo. Ele construiu uma nova casa naquela que à época era a parte central da ilha. Agora ele não sabe para onde se mudar.

Centenas de famílias já se viram obrigadas a seguir para um campo de desabrigados em Sagar, uma ilha vizinha que também já encolheu quatro quilômetros quadrados nos últimos cinco anos, segundo o estudo da Universidade Jadavpur.

Ainda que a Índia esteja crescendo economicamente, as Sundarbans receberam pouca ou nenhuma proteção. As ilhas não se beneficiaram de nenhuma das medidas que países ricos e baixos como a Holanda aplicaram para evitar a destruição provocada pelo mar.

Todos os anos pelo menos dois ciclones atingem as ilhas. Os cientistas dizem que essas tempestades estão se tornando mais intensas, embora menos freqüentes. Os diques de barro construídos no decorrer dos anos em volta dessas ilhas jovens e frágeis são demasiadamente frágeis para conter o avanço da maré. Uma tempestade e um rompimento podem destruir uma vida inteira de trabalho na terra.

"A natureza não criou esse local para que os humanos cortassem as florestas e caçassem os tigres e outros animais selvagens", afirma Tushar Kanjilal, fundador da Sociedade Tagore de Desenvolvimento Rural. "Estamos matando as Sundarbans. O nosso governo e as pessoas estão juntos matando as ilhas. Daqui a 50 anos elas ainda existirão?".

Yudisthir Bhuiyan fugiu para Sagar um dia durante uma maré alta de equinócio, quando o nível do rio subiu e as águas romperam o dique de barro que deveria proteger a vila. A sua casa desabou. Vacas e galinhas foram levadas pela correnteza. A família não teve tempo para salvar os seus pertences.

Durante certo tempo eles viveram como refugiados à beira de uma estrada, até que o governo lhes concedeu um pequeno pedaço de terra em Sagar, longe da água. Posteriormente a ilha sumiu do mapa. Ele atualmente ganha a vida trabalhando como operário diarista.

Durante a maré baixa dá para ver os baixios de lama que representam o passado apagado de Ghoramara. Em uma extremidade da ilha há uma palmeira que submerge durante a maré alta. É possível avistar diques atrás de diques, em um registro das tentativas vãs dos habitantes de conter o avanço das águas. Onde antes ficava Lohachara - a agitada ilha de Bhuiyan - hoje só se vê a água singrada por um navio.

Atualmente um novo baixio de lama se tornou visível, logo em frente à casa de Mandal. Nele a vegetação do mangue começa a brotar. Mandal vê nessas plantas a sua única possibilidade de salvação, uma potencial barreira de contenção da maré. Mas ter que alimentar esperanças deste tipo significa também conhecer o desespero.
Fonte: Uol

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