A Conferência de Copenhague, no final do ano passado, deixou claro mais uma vez que o peso dos interesses nacionais e das forças que movem a economia mundial impede os governos de chegar a um acordo que obrigue os países mais poluidores a adotar medidas de contenção das emissões de carbono e outros gases estufa comprovadamente responsáveis pelo aquecimento global. A essa constatação veio se somar a erosão da credibilidade do organismo multilateral criado para tomar o pulso do clima do planeta e fazer prognósticos fundamentados sobre as tendências para as décadas futuras.
Trata-se do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), das Nações Unidas, que reúne mais de 2 mil cientistas e representantes de 194 países. Desde a sua constituição, em 1998, o IPCC produziu quatro relatórios que concluíram que o aquecimento da atmosfera terrestre é um fenômeno real, causado predominantemente pela atividade humana. Em 2007, a entidade dividiu o Prêmio Nobel da Paz com o ex-vice-presidente americano Al Gore, por seus esforços em defesa do ambiente. A comunidade política internacional, que permaneceu inativa diante da crise do clima, começa a enfrentar os problemas do IPCC.
A validade de seus diagnósticos gerais não é contestada pela imensa maioria dos estudiosos do clima. No entanto, por falhas de direção, insuficiente transparência e, sobretudo, previsões infundadas sobre os efeitos do aquecimento em casos particulares, apresentadas mais com sensacionalismo do que com responsabilidade profissional, o IPCC abriu o flanco aos céticos da mudança climática, que semeiam dúvidas sobre a integridade de seus membros. O alvo tem sido o indiano Rajendra Pachauri, que preside o painel desde 2002 e cujo mandato vai até 2014. Ele aprecia os holofotes da mídia mais do que seria prudente para um cientista na sua posição.
O desgaste do IPCC levou a ONU a encomendar a uma organização independente, formada por 12 representantes de sociedades acadêmicas de diversos países, entre eles o Brasil, uma auditoria sobre as deficiências da instituição. O seu parecer pede reformas profundas na estrutura, procedimentos e políticas do IPCC. O texto insta os seus integrantes a dialogar com cientistas de linhas divergentes, atentar para a possibilidade de conflitos de interesse e se guardar de dizer aos governos como devem agir. Propõe ainda a criação de um comitê executivo profissional aberto a terceiros e a redução do mandato do presidente de 12 para 6 anos. (Pachauri fez de conta que não era com ele.)
A maior preocupação do secretário-geral Ban Ki-moon, que encomendou a auditoria, é que as disfunções do IPCC ponham em risco o papel da ONU como foro central da questão climática. Entre os ambientalistas, há quem tema que novos erros pontuais do painel sejam alardeados, como os outros têm sido, pelos descrentes do aquecimento como prova de que os seus relatórios são deliberadamente falseados. O episódio mais notório foi a publicação de mais de um milhar de e-mails furtados de uma universidade britânica.
As mensagens demonstrariam que pesquisadores da instituição, ligados ao IPCC, manipularam e se recusaram a compartilhar dados para servir à causa ambiental. Uma investigação exaustiva concluiu que pelo menos a primeira parte da acusação era falsa. Pior foi a afirmação categórica do IPCC, em documento oficial, de que as neves eternas das montanhas do Himalaia estavam fadadas a derreter até 2035. Quando as autoridades indianas protestaram, Pachauri as chamou de "arrogantes". Dois meses depois, ele admitiu o erro, confessando que o IPCC endossou a profecia, originária de uma notícia de jornal e repassada por uma ONG, sem submetê-la a exame científico. Com a agravante de que dois especialistas que se opuseram à publicação foram ignorados.
Em outubro, delegados dos países-membros do IPCC se reunirão na Coreia do Sul para avaliar a auditoria. O melhor que podem fazer é aprovar - e implementar tão logo possível - as suas recomendações.
Fonte: O Estado de São Paulo
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