Cientistas americanos começam a abandonar a cautela e a apontar o aumento da temperatura causado pelo homem como origem de desastres
Justin Gillis THE NEW YORK TIMES - O Estado de S.Paulo
Inundações causaram danos em diferentes regiões dos Estados Unidos, no atual verão no Hemisfério Norte. Um dilúvio no Paquistão atingiu 20 milhões de pessoas. E ondas de calor cozinharam o leste dos EUA, partes da África, da Ásia Oriental e sobretudo a Rússia, onde milhões de hectares de trigo foram perdidos e milhares de pessoas morreram por causa da pior seca da história do país.
Aparentemente sem relação, esses desastres indicam, segundo os cientistas, que o aquecimento global provoca essas mudanças extremas do clima. "Eventos extremos vêm ocorrendo com maior frequência e em muitos casos com maior intensidade", diz Jay Lawrimore, chefe do departamento de análise climática do Centro Nacional de Dados Climáticos em Asheville, na Carolina do Norte.
Em teoria, o mundo aquece por causa dos gases-estufa, o que provoca temporais no verão, nevascas no inverno, seca mais intensa em alguns lugares e ondas de calor em outros. Evidências estatísticas mostram que isso começou a ocorrer.
Mas não ficou mais fácil ligar ocorrências climáticas específicas às mudanças climáticas. Muitos climatólogos relutam em ir tão longe, observando que o clima já se caracterizava por uma notável variabilidade muito antes de o homem começar a queimar combustíveis fósseis.
"Se alguém me perguntar se, pessoalmente, acho que a intensa onda de calor na Rússia tem a ver com as mudanças climáticas, a resposta é sim", diz Gavin Schmidt, pesquisador da Nasa. "Mas ao me perguntar se, como cientista, tenho provas disso, a resposta é não - pelo menos até agora", completa.
Na Rússia, essa cautela vem sendo adotada pelos estudiosos. O país sempre assume um papel relutante nas negociações globais para lidar com essas mudanças - talvez em parte porque espera tirar proveito econômico com o aquecimento do seu vasto território siberiano. Mas as ondas de calor, seguidas de seca e incêndios, numa região normalmente fria, parecem estar fazendo os russos mudarem de ideia.
Se a Terra não estivesse aquecendo, as variações aleatórias do clima deveriam causar o mesmo número recorde de altas e baixas de temperatura durante um dado período. Mas os climatólogos há muito entendem que, teoricamente, num mundo que vem esquentando, o calor adicional causaria mais recordes de altas de temperatura e menos quedas. As estatísticas sugerem que está acontecendo exatamente isso.
Hoje, nos EUA, temos uma queda recorde de temperatura em relação a dois recordes de alta, uma evidência reveladora de que, em meio a todas as variações aleatórias do clima, a tendência é no sentido de um clima mais quente.
Tempo inusitado. De acordo com um estudo do governo americano publicado em 2008, "nas últimas décadas, excepcionalmente, grande parte da América do Norte observou mais dias e noites quentes, menos dias e noites frios e menos dias gelados", o que também é inusitado. Mas as chuvas se tornaram mais frequentes e mais intensas.
Pesquisas mostram que o aquecimento global vai agravar essas mudanças extremas em grande parte do planeta. Áreas úmidas ficarão ainda mais úmidas, dizem os cientistas, enquanto que as regiões secas se tornarão mais secas.
Mas não são padrões uniformes: as mudanças na circulação dos ventos e dos oceanos podem ter efeitos inesperados, como algumas áreas ficando mais frias num mundo mais aquecido. E padrões climáticos estabelecidos há muito tempo, como as variações periódicas no Oceano Pacífico conhecidas como El Niño, devem contribuir para tais ocorrências excepcionais, como as fortes chuvas e temperaturas frias em partes normalmente áridas da Califórnia.
Para os cientistas, vamos observar tempestades mais violentas no inverno e no verão, em grande parte por causa do princípio físico de que o ar mais quente contém mais vapor de água.
Vamos esperar de um a dois anos até os climatólogos publicarem suas análises definitivas sobre as ondas de calor na Rússia e as inundações no Paquistão, que poderão esclarecer o papel da mudança climática nesses casos. Alguns estudiosos suspeitam de que esse calor e essa chuva foram causados ou agravados por uma mudança em uma corrente de ar que circula em altas altitudes.
Alguns casos recentes foram tão severos que alguns cientistas estão abandonando sua tradicional posição de cautela e atribuindo ao clima a ocorrência de certos desastres. Kevin Trenberth, chefe do departamento de análises climáticas do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica em Boulder, Colorado, sugeriu em um estudo que o furacão Katrina trouxe mais chuvas para a Costa do Golfo porque a tempestade foi intensificada pelo aquecimento global. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Fonte: Jornal Estado de São Paulo, 18 de agosto de 2010
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