sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Primeiras impressões e pretensiosas promessas de Poznan

Por Redação da Vitae Civilis

A 14ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) começou, deixando saudades de Bali e seus 39ºC na sombra versus 0ºC ao sol em Poznan. A questão é mesmo de temperatura: calores, calafrios, paixões e frias.

Se a temperatura média global aumentar mais que 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, o impacto do clima sobre a produção de alimentos, recursos hídricos, nível do mar e ecossistemas será catastrófico. Mais de dois bilhões de pessoas sofrerão os efeitos da falta de água e a maior parte do sul da África conviverá com seca o ano inteiro. A agricultura será seriamente comprometida e a fome e desnutrição matarão, no mínimo, dois milhões de pessoas por ano. A emergência econômica que temos hoje será pálida se comparada às conseqüências das mudanças climáticas, caso seja mantido o atual nível de comprometimento. Por tudo isso, os delegados reunidos em Poznan têm a obrigação de sinalizar que 2009 será um ano decisivo, que a CoP-15, em Copenhague, produzirá um acordo ratificável.

Contexto externo

Algumas coisas muito importantes aconteceram entre Bali (CoP-13) e Poznan (CoP-14):

* Milhões de pessoas já enfrentam os impactos perigosos das mudanças no clima, que não vão sumir, vão se intensificar e ameaçam as suas vidas e formas de sustento;

* O discurso da resistência não encontra mais ressonância, a não ser nos redutos reacionários de minorias ranzinzas;

* A crise financeira mundial não é razão para protelar, muito menos para ambições reprimidas, mas representa uma oportunidade de assumir compromissos com fortes ações sobre o clima e fazer deles alavancas econômicas. O inimaginável nível de recursos juntados para impedir impactos econômicos ainda mais graves demonstra com clareza que, quando a questão é importante, todas as barreiras podem ser derrubadas;

* Dois governos de países do Anexo I estão alterando o cenário nesse exato momento: Canadá e Reino Unido.
- Na segunda-feira, dia 1 de dezembro, a Comissão de Mudanças Climáticas do governo britânico publicou as suas propostas para as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para 2020. A meta recomendada é de 42% de redução para todos os gases de efeito estufa em relação a 1990. Ao aceitar esta proposta, o governo britânico terá assumido a mais ambiciosa meta de todos os países do mundo, além de mostrar o caminho para outros países desenvolvidos;
- Na próxima segunda-feira, 8 de dezembro, com alto nível de probabilidade o governo do Canadá cairá após a aprovação de uma moção de desconfiança. Os partidos da oposição já assinaram um pacto de governança e a sociedade civil está conclamando, entre outras coisas, por um reposicionamento da sua estratégia energética e redução da sua dependência no petróleo importado.

* Os países em desenvolvimento, os países menos desenvolvidos e o grupo dos países insulares, entre outros, olham para a CoP-14 com uma visão crítica, contundente e exigente. A seguir o tom do discurso de alguns desses países:

- 16 anos após a Convenção do Rio e ainda se discute sua implementação. Está na hora dos países desenvolvidos reconhecerem sua responsabilidade histórica e assumirem seus compromissos.

- A UNFCCC já contém uma visão compartilhada de longo prazo. Compromissos futuros têm que levar em conta eqüidade e responsabilidades históricas. Se a Convenção tivesse sido completamente implementada e os compromissos honrados, o Plano de Bali teria sido desnecessário e os países mais vulneráveis teriam recebido os recursos necessários para a sua adaptação aos impactos adversos da mudança do clima.

- A falta de confiança por parte dos países menos desenvolvidos em relação às negociações faz com que eles hesitem em assumir compromissos.

- A crise provocada pelas mudanças de clima requer o mesmo grau de comprometimento financeiro que a atual crise financeira. Existe uma expectativa grande em torno da administração do próximo Presidente dos Estados Unidos.

Falta liderança

Nesses três dias iniciais de negociações, a União Européia, que possui reputação considerável no combate às mudanças climáticas, tendo sido fundamental para a adoção do Plano de Ação de Bali há um ano, tem decepcionado. Em seu próprio território, o bloco europeu não mostrou o que veio fazer na CoP-14. Até agora, não apresentou propostas concretas ou se posicionou sobre a transferência de recursos para mitigação e adaptação para os países não-Anexo I (vulgo países do Sul). Dentro da UE, as atenções se voltam para a Polônia, cujo primeiro-ministro em discurso inaugural da CoP clamou por solidariedade global para lidar com as mudanças do clima. Esse discurso, contraditório com a posição assumida pelo país nos últimos meses sobre o pacote de clima e energia da União Européia e sobre a posição do bloco para as negociações internacionais, fez com que o país anfitrião da Conferência ganhasse o primeiro Prêmio Fóssil do Dia – dado para os países que mais “se esforçam” para impedir o sucesso das negociações.

O Umbrella Group (Austrália, Canadá, Islândia, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos) tradicionalmente possui posições conservadoras com o propósito de evitar a discussão sobre compromissos de redução de emissões para os países desenvolvidos. Saiu de um dos países integrantes desse grupo uma das “pérolas” dessa CoP: um negociador do Japão, durante uma sessão do AWG-LCA, ofereceu-se para reduzir o tempo de duração dos seus banhos diários de 20 para 15 minutos para salvar o planeta. Além disso, prometeu tentar reduzir os sete ou oito banhos que toma nos finais de semana para três. Essa intervenção foi infeliz e ofensiva, ainda mais se lembrarmos que aconteceu numa reunião das Nações Unidas, onde em muitos dos países ali representados a população não possui água nem para atender suas necessidades básicas, muito menos para vários banhos diários, como foi lembrado por um delegado chinês. A delegação norte-americana, como reflexo do processo de transição interna, tenta obstruir o processo, alegando que não vale a pena negociar acordo no momento, pois isso poderá atrapalhar os planos da administração Obama.

E o Brasil?

O lançamento do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), em Brasília, na última segunda-feira provocou uma reação positiva aqui em Poznan. No entanto, aqueles que conheceram de perto o processo de elaboração desse plano, bem como o seu conteúdo, sabem que um plano preparado às pressas não tem consistência para ser apresentado e defendido na CoP-14. O texto não contemplou, por exemplo, as deliberações da III Conferência Nacional de Meio Ambiente (maio de 2008), que nem chegaram a ser publicadas e faziam parte do processo de consulta pública para o Plano. É de particular interesse para o Brasil, na CoP-14, a discussão sobre mecanismos para a redução de emissões de desmatamento e degradação florestal (REDD), já que a maior parte das emissões do país (75%) são originárias dessa fonte e o PNMC tem como um de seus objetivos a diminuição das taxas de desmatamento na Amazônia. De que maneira isso seria feito? Com que recursos? O país deve aproveitar as discussões em Poznan para defender um mecanismo de REDD que melhor atenda seus interesses, obedecendo princípios de eqüidade e justiça. E que esses interesses não sejam apenas restritos à CoP e oportunistas, como foi o lançamento do PNMC no dia do início da Conferência da ONU.

Principais pontos em negociação e expectativas

O sucesso das negociações em Poznan é fundamental para que, em dezembro de 2009, na CoP-15 (Copenhague), os países parte da Convenção consigam chegar num acordo que defina o que vai acontecer após 31 de dezembro de 2012, data do fim do primeiro período de compromissos do Protocolo de Quioto. Assim, espera-se que o primeiro texto para negociação seja apresentado já na primeira rodada de negociações do próximo ano.

É importante termos sempre em mente que o objetivo dessas negociações, como diz o texto da Convenção, é estabilizar a concentração de emissões de gases de efeito estufa num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Se esse objetivo não for alcançado, a vida neste planeta corre seríssimos riscos e será impossível estender a mão aos mais vulneráveis e menos aptos a enfrentar os impactos das mudanças climáticas.

Fonte: Envolverde/Vitae Civilis

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