segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ocupação humana contribui para a tragédia de Santa Catarina

Por Paula Scheidt, do CarbonoBrasil

Especialistas afirmam que o processo de urbanização inadequada ajudou a provocar o desastre no estado, especialmente no Vale do Itajaí, e alertam que ainda é precipitado relacionar o problema às mudanças climáticas.

Ainda é cedo para relacionar a tragédia das chuvas em Santa Catarina com possíveis mudanças no clima causadas pelo aquecimento global, porém a ação humana é um fator que, para muitos especialistas, aumenta indiscutivelmente a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos e pode ser incluída como um dos fatores que provocaram este desastre.

“O Sul do Brasil é uma região de chuvas abundantes, então cada vez mais terá que se pensar no processo de ocupação urbana”, comenta a coordenadora de previsão do tempo do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram/Epagri), Laura Rodrigues, que destaca ser precipitado relacionar este evento ao aquecimento global.

“Tivemos um volume muito grande de chuvas, mas já tivemos condições atmosféricas similares, como em dezembro de 1995, que provocou enchentes na Grande Florianópolis”, afirma.

Apesar das condições atmosféricas anormais, Laura ressalta que não se pode apenas querer culpar a chuva pelo problema. O modo como crescem as cidades, sem a devida atenção para os limites ambientais, aumenta a vulnerabilidade a desastres. “Cada vez mais, com a maior ocupação, construções irregulares, a situação ficará pior. Fatores como desmatamento também acabam contribuindo com o desastre”, diz Laura, ressaltando que, uma inundação como esta a 10 anos atrás não causaria tantos estragos.

O processo de urbanização aumenta a impermeabilização do solo que, nas áreas planas, reforça o problema das enchentes e, nas de encostas, acelera a velocidade de descida da água. A professora de Arquitetura e Urbanismo Maria Inês Sugai, da Universidade Federal de Santa Catarina, alerta também para a ocupação inadequada nos morros.

Maria Inês explica que a construção de servidões perpendiculares que cortam o morro na vertical ao invés de acompanhar as curvas de níveis fragiliza a estrutura ambiental e coloca a área em risco de deslizamentos. “É uma prática que herdamos dos portugueses, nos séculos 18 e 19. Porém hoje temos tecnologia, regulamentações e sabemos que isto é inadequado. A prefeitura não poderia aceitar este tipo de ocupação”, afirma. Ao invés de linhas verticais, o correto seria a construção de estradas como a Serra do Rio do Rastro, no planalto catarinense.

A falta de muros de contenção, inclusive nas estradas, e o desmatamento também são fatores que contribuem para o desastre. “A vegetação ajuda a segurar a terra e dependendo do tipo de solo, varia o recorte que deve ser feito no morro”, afirma Maria Inês.

A metereologista Cláudia Camargo, também da Ciram/Epagri, reforça que a alteração do solo é um fator muito importante para explicar esta tragédia, principalmente devido ao grande número de deslizamentos registrados. “No momento em que você retira o solo do morro e coloca asfalto, constrói uma casa, você altera a drenagem natural e colabora para que o efeito do excesso de chuvas seja mais drástico”, afirma.

Chuvas em excesso

Laura explica que, com relação ao sistema climático, foram diversos fatores que convergiram para esta situação, como a primavera chuvosa no estado, que deixou os solos encharcados; a maré alta, que dificultou o escoamento das águas do rio para o oceano, além, é claro, do volume elevado de chuvas, que em três ou quatro dias alcançou 500 mm. “Isto significa jogar 500 litros de água em um metro quadrado, praticamente uma caixa d´água”, compara. No mês de novembro o volume de chuvas passou de 900 mm no Vale do Itajaí, enquanto que a média para o mês de novembro é de 150 mm.

Itajaí fica debaixo d´águaDe acordo com o Ciram/Epagri, entre sexta e domingo (21 e 23/11) choveu até o dobro da média prevista para todo o mês em municípios catarinenses como Balneário Camboriú (455 mm), Itajaí (403 mm), Blumenau (300 mm), São José (254 mm) e Florianópolis (216 mm).

Com base em estudos que mostram os efeitos das mudanças do clima em Santa Catarina nos últimos anos, Cláudia não descarta a hipótese de que as mudanças climáticas possam ter influenciado estas enchentes. “Pode haver uma relação, até porque outros estudos tendem a um aumento nas temperaturas, mas tudo precisa ser cientificamente comprovado antes de tirarmos qualquer conclusão”, afirma.

Reflexo para o futuro das cidades

O cientista Carlos Nobre, do Instituto de Pesquisas Aeroespaciais (Inpe), coordenador dos estudos sobre mudanças climáticas no país, afirma que a tragédia que acontece em Santa Catarina é um espelho do futuro das cidades brasileiras. “Seriam necessários estudos com dados de cem anos. Mas já é possível dizer que, se o aquecimento continuar, as cenas de Santa Catarina serão muito repetidas”, disse. Segundo Nobre, as indicações são de extremos de chuvas torrenciais e grandes secas.

Para o jornalista Washington Novaes, entrevistado pelo Projeto "Percepção de Risco, a descoberta de um novo olhar", "estamos despreparados, desinformados e desatentos para as mudanças que já estão acontecendo. As reuniões da Convenção do Clima têm falado muito em mitigação e adaptação. Mitigação no sentido de como é que vai se fazer para reduzir esses impactos e segundo, como fazer para se adaptar aos impactos que já se tem". O projeto é desenvolvido pelo Departamento Estadual de Defesa
Civil e Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da UFSC.

Entenda o sistema atmosférico que causou as chuvas em Santa Catarina - http://ciram.epagri.rct-sc.br/portal/Controlador?command=ExibirNoticia&module=website&idNotic=441&tipo_notic=meteorologia&ixFoto=0&pag=0

Estudo “Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a biodiversidade”, do Ministério do Meio Ambiente - http://www.mma.gov.br/estruturas/imprensa/_arquivos/livro%20completo.pdf


Crédito de imagem: Neiva Daltrozo/Secom


Fonte: Envolverde/CarbonoBrasil

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