quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Obama, a crise e o meio ambiente

Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa

A imprensa brasileira tem aumentado o espaço e a freqüência das notícias sobre a questão ambiental. Também oferece atenção generosa aos debates que reúnem representantes dos países mais ricos e dos chamados emergentes, na tentativa de superar divergências em busca de uma saída para a crise financeira internacional. E, como não poderia deixar de ser, ainda acompanha com interesse os primeiros movimentos do futuro presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Que tal fazer um exercício e juntar os três temas? Talvez a solução dos problemas pareça menos remota. Comecemos com a análise do que tem sido de fato a economia mundial no período que convencionamos chamar de globalização acelerada - aquele que se sucede à queda do muro de Berlim, no final de 1989. Aliás, foi no dia 9 de novembro de 1989. A imprensa esqueceu.

De lá para cá, com as reformas políticas e econômicas na matriz da antiga União Soviética e na China comunista, o mundo se convenceu de que passaríamos a viver no paraíso capitalista: reduzindo-se a intervenção do Estado, a iniciativa privada, livre para criar riquezas, iria abrir democraticamente as oportunidades para os cidadãos de todos os países fazerem negócios. Éramos todos capitalistas, finalmente. Sem as tensões da Guerra Fria, a História como a conhecêramos nos séculos 19 e 20 se transformaria, enfim, na tediosa caminhada rumo ao bem-estar permanente.

Desigualdade crescente

A realidade se embalou deliciosamente no sonho capitalista e não se sobressaltou com os primeiros pesadelos. E não foi por falta de capital que a coisa desandou: os fluxos de investimento para os países em desenvolvimento cresceram dez vezes na década seguinte, e o século 21 foi saudado nos computadores pela avassaladora presença da internet, a nova forma de comunicação que iria unificar a humanidade e reduzir a pó as diferenças culturais.

O surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, prometia colocar uma ordem nas demandas de vários tipos, que confrontavam os interesses das estruturas de negócios agrícolas consolidadas desde a Idade Média na Europa com os novos agronegócios dos países emergentes. Ao mesmo tempo, a revolução na comunicação acrescentava novos protagonistas ao debate: os pobres agora queriam mais participação no bolo.

A OMC nunca foi capaz de produzir um acordo que fosse satisfatório para os dois lados da moeda global. O protecionismo se tornou ainda mais rigoroso do que sob os regimes anteriores, em que o Estado se fazia mais presente no controle da economia.

O que aconteceu, de fato, na década seguinte, até a implosão do sistema em setembro passado, foi que, embora tivesse produzido mais riqueza do que em todo o século anterior (sob os critérios adotados majoritariamente pela imprensa especializada), a economia globalizada não foi capaz de responder aos desafios essenciais da humanidade: o planeta se tornou um lugar mais perigoso para a vida, a democracia foi colocada sob risco, as desigualdades sociais se avolumaram, o patrimônio ambiental foi dilapidado e o aquecimento global revelou o cenário das escolhas equivocadas.

A imprensa nunca foi capaz de olhar um pouquinho para fora da caixa dos consensos. Saudou cada recorde de produção das indústrias poluidoras, cada novo salto nos ganhos dos investidores, cada nova iniciativa no movimento de expansão do capitalismo globalizado, estimulando a feroz disputa dos países pobres e em desenvolvimento pela atenção dos investidores.

Até 2002, esse intenso movimento de capital produziu apenas mais desemprego, mais miséria e mais conflitos na maioria dos países do mundo. Um olhar sobre o relatório produzido pela Comissão Mundial sobre as Dimensões Sociais da Globalização, publicado há quatro anos, mostra que 59% da população mundial vivia, no começo deste século, em países com crescentes níveis de desigualdade e que o bem-estar criado pela globalização se concentrava em algumas ilhas de conforto. O desemprego grassava em todo o mundo, com exceção do sul da Ásia, da Europa (ainda assim, pressionada por movimentos migratórios da África e do Leste Europeu) e dos Estados Unidos. Os dados desse estudo foram descritos em vários artigos pelo economista Joseph Stiglitz, um de seus autores.

Razões do otimismo

A imprensa nunca deu muita importância aos efeitos colaterais da expansão global dos capitais, até setembro deste ano, quando Wall Street veio abaixo. A imprensa nunca lamentou os mortos pela fome na África como lamenta as quebras de banqueiros nos Estados Unidos. No entanto, a crise financeira que ocupa as manchetes apanhou um sistema claramente insustentável.

Mesmo nas chamadas ilhas de prosperidade, a situação era absurda, para qualquer nível de consciência. Até mesmo para os mais insanos defensores da absoluta liberdade para o capital, bastaria um dado para acender uma luz de alerta: os 400 americanos mais ricos possuem mais patrimônio do que todos os 150 milhões de cidadãos americanos mais pobres, somados. Apenas durante os oito anos da administração Bush, que coincide com o ápice da euforia globalizante, o patrimônio dos 400 americanos mais ricos - não são 4 mil ou 4 milhões, são 400, mesmo, o suficiente para encher uma sala de cinema - cresceu cerca de 700 bilhões de dólares.

Alguém aí lembra de ter visto a imprensa associar esse número ao valor que o governo americano anunciou em suas primeiras medidas para socorrer as empresas (empresas?) em crise?

Aí é que o tema converge para as especulações sobre o que pode vir a ser um governo Barack Obama. E aqui o leitor carece de um ponto essencial para pensar nas incontáveis análises que louvam o fato de Obama ser o primeiro afrodescendente a vencer uma eleição presidencial nos Estados Unidos. Seria possível estabelecer uma relação absoluta entre os americanos de pele escura, cujos tataravós ou bisavós foram escravizados, cujos pais ou avós foram segregados, e este outro americano de pele escura, cujo pai migrou da África em busca de uma vida melhor, casou-se com uma mulher branca e seguiu adiante buscando uma vida ainda melhor?

Obama é filho de um homem de muita iniciativa, que deixou uma vida relativamente confortável - para os padrões africanos - para buscar melhores oportunidades, com uma americana atípica, que desprezou os preconceitos e viveu fora do país em função de outro casamento. Ele não é fruto dos guetos de Chicago, nunca falou os dialetos da rua. Talvez por isso haja mais razões para o otimismo que assola os jornais. Mesmo assim, a imprensa precisa sair do encantamento e trazer o leitor para mais perto da realidade.

Aplausos e dúvidas

Quanto o provável futuro presidente dos Estados Unidos estará disposto a mudar o sistema que nos trouxe a este momento de crise? Qual é o seu interesse real em trazer para a mesa das grandes negociações os países emergentes, que ainda assistem de fora às tomadas das decisões que afetam seus futuros, se ele, Obama, foi eleito pelos americanos para cuidar dos interesses dos Estados Unidos? Em que a cor de sua pele seria determinante para ele escolher entre proteger o pequeno produtor de compotas na Califórnia e estimular a produção de um concorrente no outro lado do Atlântico?

Essas dúvidas ainda não apareceram claramente no meio da festa pós-eleitoral. Os leitores e telespectadores de São Bento do Una acham que, com Obama, a vida vai melhorar no Agreste Pernambucano.

Pode ser. E entramos na outra quina do triângulo que ainda não vimos composto pela imprensa: é possível pensar em um novo paradigma para o movimento global de capitais sem levar em conta os desafios do aquecimento global e a necessidade de eliminar as pressões sobre as últimas reservas de patrimônio ambiental do planeta?

Por enquanto, a imprensa não parece sensibilizada para o debate sobre uma possível convergência entre regular o sistema financeiro internacional, desobstruir os fluxo do comércio mundial e ao mesmo tempo estabelecer um modelo de criação de riqueza que considere mais valiosa uma árvore em pé do que estendida na carroceria de um caminhão.

Saudações para o interesse crescente da mídia na questão ambiental. Dúvidas para a disposição da imprensa em colocar sob os olhos dos leitores e telespectadores o verdadeiro desafio da sustentabilidade.


Fonte: Observatório da Imprensa

2 comentários:

Anônimo disse...

E então, como fica a questão ambiental em se tratabdo dos Estados Unidos e a nova snsação do momnto - Barak Obama?

Unknown disse...

eu penso que acabou a monocultura do
petróleo e começa a pluricultura
das energias sustentáveis. com Obama e sem Obama.