quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A Síndrome da Instabilidade

Por Najar Tubino*, para a EcoAgência

O clima de instabilidade está, literalmente, batendo na cara do povo. Não somente dos pobres, como no Caribe, com a passagem dos sucessivos furacões. Mas também em Houston, no Texas, onde foi decretado o estado de sítio, com o caos instalado, pelo furacão (já transformado em tempestade) Ike. Na argentina, uma seca devasta as províncias de Santa Fé e Córdoba, grandes produtoras de grãos e carne. No norte de Minas Gerais a seca emendou, e morreram 200 mil cabeças de gado. Brasília , a sede do poder, enfrenta a sua maior seca, com quatro meses sem chuva. O cerrado paga o preço do crescimento do agronegócio. Talvez, haja uma semelhança com as tempestades de areia, que tomaram conta do meio-oeste americano, na década de 30, depois da devastação de extensas áreas cobertas por vegetação.

Canto congelado

No Rio Grande do Sul vive-se o inverno rigoroso numa semana, quase beirando a primavera, mas também vive-se o calor do verão, em pleno julho. Os sabiás começaram a treinar o canto ainda em agosto, com um calor de mais de 30 graus, dando a largada para a época de reprodução. Quando de repente começou a nevar na campanha, a região tradicional do estado, na direção do Uruguai e Argentina. Registrei o fato: na segunda-feira 1 de setembro, 6 horas da manhã, quando caminhava em Porto Alegre, a temperatura abaixo de 5 graus. Os primeiros raios de sol, despontaram atrás do morro da Polícia, e os sabiás engasgaram. Congelaram o canto. E assim a tal mudança climática. Enquanto os meteorologistas discutem se é natural ou não, se é o frio mais intenso nos últimos 50, 100 anos, ou quem sabe nos últimos 100 mil anos, o povo fica pirado.

Aumento de infartos

Existe uma diferença entre os modelos teóricos e a realidade da vida. A intensificação dos eventos extremos é uma realidade. Dei uma relida num trabalho do pesquisador José Marengo, do INPE, sobre as projeções de mudanças climáticas. Um dos comentários anotados:

- Um estudo realizado por pesquisadores do Instituo do Coração (INCOR), de Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, mostrou que as mudanças bruscas de temperatura em grandes cidades, principalmente do quente para o frio, podem aumentar o risco de infarto na população. O estudo relacionou o número diário de mortes ocasionadas por problemas cardiovasculares, entre 1998 e 2000, com informações sobre temperatura, umidade do ar, pressão e poluição atmosférica na região metropolitana de São Paulo. As estatísticas apontaram que, nos dias em que foram registradas baixas temperaturas na cidade, o número de infartos aumentou, principalmente entre os mais velhos”.

Marengo cita alguns números levantados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), ressaltando que embora não exista certeza científica absoluta sobre a relação entre o aquecimento do planeta e os chamados desastres naturais, os eventos cresceram:

Já começou

- Os desastres em 2005 responderam pela morte de 350 mil pessoas e prejuízos de 200 bilhões de dólares. Este foi o ano de maior número de tempestades tropicais ( 26, quebrando o recorde de 23, em 1933), de furacões (14, antes 12, em 1969). Segundo a OMM eventos extremos ocorrem todos os anos em algum lugar do globo, mas o número deles tem crescido. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que as mudanças climáticas podem provocar até 150 mil mortes todos os anos e ao menos 5 milhões de casos de doenças”.

Enfim, as dificuldades aumentarão. Mais chuvas concentradas no Sul. Se o desmatamento na Amazônia continuar nos mesmos níveis, as chuvas diminuirão em outras regiões. Vamos sofrer na pele o significado das alterações naturais. Não para daqui a 100 anos. A síndrome já começou.

Chama o governo

É ilustrativo comparar a instabilidade climática com a financeira. O maior poluidor do planeta – os Estados Unidos, com 25% das emissões de gases estufa - , estão no centro da crise. Quebra de bancos, seguradoras, a inversão dos papéis no mercado: agora os governos, o patrimônio público, o Estado, não é mais o demônio, ele é o anjo Gabriel, o salvador. A questão é bem simples: cria-se um sistema econômico, totalmente baseado no desperdício e no enriquecimento de uma parcela mínima, da população mundial. Tudo bem. É o progresso, a competência dos países industrializados, o avanço da tecnologia, da ciência, o poder da maior potência. Daí, posteriormente, se descobre que era tudo mentira, que os ricos e poderosos, falsificavam balanças contábeis. Não satisfeitos, criaram uma bolha imobiliária, vendendo ao mundo inteiro títulos, com lastro frio. Na linguagem popular, aplicaram o famoso 171, artigo do código penal, que qualifica o estelionato.

Abandonam

E o que acontece? Todos os outros países, principalmente, os emergentes, uma nova categoria criada recentemente, querem imitar o ídolo. Compraram as camionetas americanas, espalhadas no mundo inteiro. E agora, caíram em desgraça na matriz.
Aumentaram o consumo do petróleo e a necessidade de energia. Tudo pelo crescimento econômico, que segundo eles, é ilimitado. Especulam com os fundos, aplicando em cotações de alimentos, e depois abandonam o barco. Mas os custos ficam, os preços não caem. Jogam mais alguns milhões na linha de pobreza. Neste momento temos mais uma vez, as previsões de queda na economia mundial. A Europa entra em recessão. Como é que vai ser ? Bilhões de toneladas de gases estufa jogadas na atmosfera, sérias ameaças de mudanças climáticas, com a conseqüente mudança nos ciclos da vida do planeta. Estamos falando de populações, povos, animais, vegetais, rios, mares, sistemas que levaram bilhões de anos, para se estabelecer.

Bater na porta


Aí o clube do bolinha resolve se reunir. A meia dúzia de integrantes (caso Lehman Brothers) embarca em suas limousines pretas e decidem: não vamos comprar. Então instala-se o pânico no mundo. E são, justamente, estes senhores, que implantaram a idéia de estabilidade no planeta. Não, não podemos parar, dizem eles. A economia cresce. É isso que movimenta o mundo. Depois, batem na porta do Banco Central – dos Estados, Unidos, Europa, do Japão, injetaram mais de 200 bilhões de dólares nos últimos dias. É para isso, que destruiremos a Amazônia, já que o cerrado e a Mata Atlântica, quase desapareceram? E o pampa gaúcho? Será tomado por maciços de eucalipto? E se o setor de celulose resolver quebrar? Um dos donos da Aracruz é o Grupo Safra, totalmente vinculado ao setor financeiro? Se eles resolvem mudar de idéia?

* O autor é jornalista e palestrante sobre meio ambiente. Contato: najartubino@yahoo.com.br

(Envolverde/Ecoagência)

Nenhum comentário: