segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Plano de mudanças climáticas do governo é fraco

Por Redação Greepeace

São Paulo (SP), Brasil — Para algumas propostas não há metas; para outras, faltam os prazos ou mecanismos para atingi-las.

O Plano Nacional sobre Mudança do Clima lançado nesta quinta-feira pelo governo federal não responde à altura os desafios impostos pelo tema.

"Na melhor das hipóteses, o plano é uma decepção. Na pior, uma embromação. Os desafios das mudanças climáticas exigem urgência e maior comprometimento do governo", avalia Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace. As metas para eficiência energética, por exemplo, são de apenas 10% até 2030, quando sabemos que hoje poderíamos obter índices entre 35% a 50%. A referência à co-geração de energia ilustra a falta de prazos. O texto sugere que 20% da energia seja produzida pela co-geração, mas não especifica datas.

"De modo geral é uma boa meta. Mas se for até 2030, é pouco", diz Furtado.

Já nos itens que tratam da eliminação da perda líquida da área florestal no Brasil, do desmatamento ilegal e da manutenção de floresta em pé, o problema do documento apresentado em Brasília está na falta de mecanismos de implantação. As poucas ações apontadas já fazem parte do atual plano de desmatamento do governo, que no papel parece bom, mas na prática não funciona.

Outra falha grave do plano é ter utilizado dados de 1994 para calcular as emissões brasileiras de gases do efeito estufa. O pior é que, com base nessas informações, o Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas afirma que "o Brasil tem feito a sua parte na mitigação da mudança do clima". O documento não faz referência alguma ao fato de o desmatamento das florestas colocar o país no quarto lugar no ranking dos maiores emissores do planeta.

O governo ignorou também as contribuições da sociedade civil e das comissões mistas da Câmara dos Deputados e do Senado. O relatório elaborado pela Comissão Mista Especial de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, aprovado em junho por unanimidade, faz 51 propostas concretas de combate às mudanças climáticas, com metas setoriais e ações concretas.

"O documento elaborado pelo congresso propõe ações que atendem ao desafio das mudanças climáticas, como por exemplo a nossa proposta pelo desmatamento zero e a revolução energética, garantindo que a participação das energias renováveis na matriz elétrica de 2050 atinja 88% do total”, afirma Guarany Osório, coordenador da campanha de Clima do Greenpeace.

Ao contrário do plano do governo, o relatório elaborado pelos parlamentares é enfático ao priorizar a redução de emissões via desmatamento como uma ação imediata já que esse é o grande vetor de emissões do Brasil - cerca de 75% delas vêm do desmatamento, sobretudo da floresta amazônica.

"Esperávamos que esse relatório fosse a base do plano de mudanças climáticas do governo", avaliou Osório.

Os principais pontos fracos do plano:

Florestas: propõe redução sustentada das taxas de desmatamento até que se atinja o desmatamento ilegal zero, mas não se compromete a acabar com o desmatamento por completo. Os objetivos específicos são baseados no atual Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAM), que nos últimos três anos teve apenas 30% de suas propostas executadas. Além disso, propõe um novo conjunto integrado de políticas estruturantes e emergenciais sem qualquer detalhamento de como, quando e por quem serão implementadas. O documento cita, por exemplo, a necessidade de tomar medidas urgentes de ordenamento fundiário e territorial, sem detalhar como será feito. Além disso, solidifica a política de descentralização do combate ao desmatamento, compartilhando essa responsabilidade com estados, municípios, setor privado e sociedade civil. Sabemos, no entanto, que quando a responsabilidade é de todos, acaba não sendo de ninguém. Outro problema do plano anunciado nesta quinta-feira pelo governo é que a contenção dos avanços do desmatamento pelo setor agropecuário dependeria exclusivamente dos próprios produtores.

Agronegócio - O programa de produção sustentável do agronegócio prevê financiamento e recuperação de 100 milhões de pastos degradados existentes no país, que seriam convertidos em áreas para a expansão agrícola, mas ignora ou considera irrisória a recuperação com espécies nativas. Parte das áreas degradadas pode e deve ser usada pela agricultura, mas é preciso também que haja programas de recuperação. Ou seja, o plano propõe que 100% das áreas degradadas seja destinada ao agronegócio.

Responsabilidade: em sua introdução, o texto apresentado em Brasília reconhece a questão das florestas e mudanças do uso da terra e suas implicações nas emissões brasileiras, e também se compromete a reduzir a desigualdade social e aumentar a renda sem repetir modelo e padrões dos países já industrializados. No entanto, o plano trata apenas do desmatamento ilegal, além de promover fontes sujas de energia como carvão e nuclear, e propõe metas medíocres para as energias renováveis modernas - solar e eólica - bem como para programas de eficiência energética.

Metas: ora não existem, ora não estão detalhadas, com data ou mecanismos para alcançá-las.

Energias renováveis e limpas: não é possível manter a participação atual de mais de 80% das renováveis na matriz energética brasileira, já que o cenário previsto pelo Ministério das Minas e Energia indica que, até 2050, a contribuição das renováveis será de apenas 50%. O plano fala ainda em expansão das grandes hidrelétricas, principalmente na Amazônia, como Madeira e Belo Monte, o que causa grandes impactos ambientais. O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) e leilões são citados como solução, quando na verdade o Proinfa teve escala insignificante e os leilões de renováveis tiveram resultados pequenos para as Pequenas Usinas Hidrelétricas (PCHs) e nenhum para eólica.

Expansão da energia nuclear
: considera limpa a energia nuclear, ignorando o problema do lixo radioativo e das emissões geradas pelo ciclo completo da produção, da mineração à geração. O documento promove a usina Angra 3 e a entrada de mais 4 mil MW a 8 mil MW até 2030.

Custo sócio-econômico de adaptação: fica claro, no documento do governo, que pouco se sabe sobre o assunto. Faltam informações científicas e indicações de medidas concretas.

Setor produtivo: não temos mais tempo para falar de melhoramento contínuo do setor produtivo. O que precisamos é de uma ruptura do modelo de desenvolvimento tradicional e transformar esse desafio em uma oportunidade para um grande salto tecnológico, com mudança de padrões de consumo. A grande questão, no entanto, é que não existem metas de redução de emissão para o setor industrial. Além disso, são mencionados acordos com os setores de grãos (moratória da soja), madeireiro e com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), mas não se fala em negociações com o maior responsável pelo desmatamento da Amazônia, o pecuário.

Biocombustíveis: aponta as vantagens e não trata com a profundidade necessária os impactos sócioambientais, se restringindo às questões do uso do solo.

Resíduos: a incineração com recuperação energética e reciclagem, prevista no plano, fomenta a geração de lixo porque o resíduo passa a ser um combustível energético. Outro ponto negativo é que o lixo incinerado pode gerar emissões tóxicas de alto impacto ao meio ambiente e à saúde humana. É por isso que a prática é condenada em vários países.

Sumidouros: o plano trata apenas das florestas e ignora o maior sumidouro do planeta, o oceano. Não aponta nenhuma política para proteção dos mares brasileiros.

Transporte: as metas são pouco ambiciosas. Buscam um aumento de 7% para o sistema de cargas ferroviário e 16% para o aquaviário. Cerca de metade de todo o investimento recomendado à infra-estrutura de transporte até 2023 é destinada ao modal rodoviário (43%), o maior emissor de gases do efeito estufa por tonelada de cargas transportadas. Ou seja, garante o crescimento do setor que mais emite.

Estudo econômico: o tópico começa com a pergunta: “Quanto custará ao país os impactos causados pelas Mudanças Climáticas no Brasil?”, mas não oferece resposta alguma.

Crédito da imagem: Greenpeace / Virginia Lee Hunter
(Greenpeace)

Nenhum comentário: