segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Mudança climática impõe novas condições à política

Por Sara Larraín*

Santiago, 8 de setembro (Terramérica) - A mudança climática, antes apenas uma evidência científica, hoje é um urgente imperativo político. Assumi-la constitui um tremendo desafio para a sociedade mundial e o desafio mais estrutural para a economia mundial. Na América Latina não é um desafio menor, pois se prevê um aumento severo da temperatura: entre 0,6 e 1,2 grau até 2020, e entre 1,8 e 4,5 graus adicionais até 2080, mais uma redução das chuvas, particularmente no Cone Sul americano. Estas mudanças afetarão gravemente os ambientes continentais e a disponibilidade de água para consumo humano, geração elétrica e produção agrícola. Haverá maior exposição à deterioração florestal e de ecossistemas de montanha e mais desertificação.

O Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) afirma que os setores com maior impacto social, econômico e ambiental na região serão agricultura, abastecimento de água e saúde da população. Para as nações da América Latina, cujas economias dependem em grande parte da renda por produção, processamento e exportação de hidrocarbonos, exportação de matérias-primas e setores intensivos de água e energia, como celulose, aço e mineração, a mitigação deste fenômeno constitui um desafio para o coração de sua estrutura produtiva.

Nossa região está obrigada a desenhar estratégias menos consumidoras de capital natural, menos intensivas em água, energia e transporte, e mais geradoras de emprego. Também precisa de novos planejamentos urbanos, meios de transporte e infra-estrutura energética, com destaque na eficiência energética e no desenvolvimento de fontes renováveis não convencionais. Apesar deste panorama, a América Latina tem um grande potencial para a mitigação biológica das mudanças climáticas, isto é, a conservação de ecossistemas existentes e maior seqüestro de dióxido de carbono, pelo aumento do tamanho das reservas desse gás causador do efeito estufa.

O Grupo de Trabalho II assinala que florestas, terras agrícolas e outros ecossistemas terrestres podem conservar e seqüestrar muito carbono, dando tempo a que as mudanças tecnológicas e os novos padrões de produção e consumo sejam desenvolvidos e implementados. Porém, este potencial deve se traduzir em um compromisso político que nossa região ainda não materializou. Existe consenso de que o centro das estratégias de adaptação à mudança climática é a proteção dos ecossistemas. O Grupo recomenda fortalecer políticas, planejamento e gestão, para prevenir sua exploração e degradação, e também dar poder às comunidades para proteger territórios e desenvolver economias locais com base em serviços ambientais, com prioridade para formas de bonificação e produção agroecológicas, e estabelecimento de novas áreas protegidas.

A adaptação a condições mais secas em 60% do território latino-americano também requer aumento significativo dos investimentos em abastecimento de água. Além dos US$ 17,7 bilhões estabelecidos nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para a água potável de 121 milhões de pessoas até 2015, esta parte do continente deverá investir em proteção de águas superficiais e subterrâneas, reutilização e reciclagem em processos industriais e otimização do consumo para adaptar-se a longos períodos de estresse hídrico, agravados pelo rápido retrocesso das geleiras esperado para as décadas de 2020 e 2030.

Apesar destes impactos, e das recomendações da comunidade científica internacional feitas na Cúpula do Rio de 1992, o desmatamento aumentou e hoje se intensifica em países como Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai, devido à expansão do cultivo de soja, o que aumenta a aridez e a desertificação, além de afetar o ciclo da água e do clima. Se 60% da Amazônia pode desaparecer pela expansão urbana ou dos agrocombustíveis, se a Patagônia sofre risco de industrializar-se com a construção de megarepresas hidrelétricas no Chile, se as geleiras andinas são destruídas por explorações minerais, é claro que a atual modalidade de uso dos recursos naturais não faz mais do que agravar as ameaças da mudança climática para os sistemas de produção local e, em conseqüência, aumentar a vulnerabilidade das comunidades humanas.

Se o poderoso empresariado exportador de matérias-primas e os Estados da América Latina insistem em sistemas produtivos depredadores e atribuem a responsabilidades alheias os impactos da mudança climática, os recursos naturais dificilmente poderão sustentar o desenvolvimento futuro. A mudança climática é um problema global de longo prazo e envolve complexas interações entre processos climáticos, ambientais, econômicos, políticos, institucionais, sociais e tecnológicos, em níveis internacional e intergeracional.

Enfrentar um novo sistema climático e a exacerbação dos fenômenos extremos requer novas formas de gerir os sistemas humanos e naturais. Nossa região enfrenta grandes ameaças sobre seus territórios e sistemas produtivos devido à mudança climática. Mas também tem grandes oportunidades para reorientar as políticas públicas sob critérios de igualdade e sustentabilidade nos âmbitos de energia, agricultura, planejamento urbano e gestão dos recursos naturais.

* Sara Larraín é diretora do não-governamental Programa Chile Sustentável. Direitos exclusivos Terramérica.

Crédito de imagem: Fabricio Vanden Broeck

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Envolverde/Terramérica)

Nenhum comentário: