segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Cientistas destacam o novo programa da FAPESP sobre mudanças climáticas

Por Redação Agência Fapesp

Agência FAPESP – Os cientistas que participaram da cerimônia de lançamento do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), na quinta-feira (28), são unânimes: a iniciativa ajudará a preencher uma série de lacunas nos estudos sobre o clima.

De acordo com Carlos Nobre, pesquisador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a ciência feita em São Paulo tem contribuído para o conhecimento mundial sobre mudanças climáticas, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

“O Brasil contribui com cerca de 1,5% dos artigos científicos sobre mudanças climáticas e São Paulo produz um terço disso. Trata-se de uma contribuição respeitável, mas temos diversos desafios pela frente e o programa será fundamental para enfrentá-los”, disse à Agência FAPESP.

Segundo Nobre, o investimento em novos estudos é urgente, já que as taxas de emissões de gases de efeito estufa estão muito acima do que se previa em 2000, superando os cenários mais pessimistas com crescimento de até 6% ao ano.

Para o pesquisador, há diversas questões relacionadas ao clima que ainda carecem de explicação, como as alterações nas precipitações. “Ainda não temos dados suficientes sobre a relação da mudança climática com o aumento das chuvas e dos extremos de precipitação, acima de 20 milímetros”, afirmou.

“Também há necessidade de mais estudos para entender o aumento das descargas elétricas que, em São Paulo, por exemplo, passaram de uma média de 6 mil, no fim dos anos 1950, para 10 mil hoje, o que representa um aumento de 30% a cada grau a mais na temperatura”, disse Nobre.

Em São Paulo, a queima de palha de cana-de-açúcar altera o ciclo de nitrogênio, provocando chuva ácida, mas o processo ainda não é totalmente conhecido. Enquanto isso, na Amazônia, o que preocupa são as interações das queimadas com o ciclo hidrológico. Segundo Nobre, problemas como esses serão mais bem enfrentados com o PFPMCG, que colocará em contato grupos que até agora trabalham de forma isolada.

“Há muitos desafios, como entender as causas das mudanças climáticas e conhecer melhor os ciclos biogeoquímicos e biogeofísicos. Precisamos de modelos climáticos regionais, com desenvolvimento de softwares brasileiros. Vamos ter que estudar também como mitigar as emissões, quais são as principais vulnerabilidades às mudanças climáticas e como aumentar a capacidade adaptativa”, afirmou.

Perda de espécies

Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), falou sobre o impacto das mudanças climáticas nos ecossistemas e nos ciclos biogeoquímicos. Para ele, embora o uso de algoritmos genéticos tenha ajudado muito a modelar a distribuição e redução da taxa de ocupação dos biomas por espécies de interesse, o conhecimento ainda é escasso em várias áreas.

“Temos pouquísssimo monitoramente do plâncton, por exemplo, que afeta toda a cadeia alimentar marinha. Não temos inventários brasileiros que permitam a criação de sistemas de alerta para termos capacidade de reagir às alterações”, disse.

Em relação às chuvas, Joly lembrou que, além das alterações na intensidade, as mudanças na distribuição da precipitação também precisam ser estudadas, já que teriam imenso impacto nas florestas tropicais.

Outra preocupação são as espécies invasoras. “Será preciso saber como modelar invasões de novas espécies. Sabemos que, das 100 espécies invasoras consideradas piores, a América Latina já tem a ocorrência de 55”, afirmou.

Joly citou como exemplo de iniciativa importante para aumentar o conhecimento sobre clima os projetos botânicos amadores que têm sido realizados no estado, nos quais a população dos locais estudados contribui reportando a fenologia das plantas, isto é, quando elas florescem e frutificam, a fim de monitorar as mudanças. “Esse tipo de projeto tem ainda a vantagem da interação com a população, o que tem um papel pedagógico”, disse.

No plano dos ecossistemas, é preciso quantidade maior de informações sobre estrutura vegetal e estoque de carbono, por exemplo. “A perda de espécies causa um efeito cascata e os ecossistemas vão perdendo capacidade de reagir. O PFPMCG ajudará a interferir nesse processo, fornecendo dados ambientais, biológicos e sociais que, se forem integrados, serão importantes na elaboração e montagem de hipóteses”, afirmou.

Muito a descobrir

Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), falou sobre mudanças climáticas, aerossóis e usos da terra. Segundo ele, a ação humana tem alterado o balanço da radiação terrestre, ao mudar a concentração de gases de efeito estufa e de níveis de aerossóis biogênicos. Os processos que regulam esse balanço de radiação, no entanto, ainda precisam ser mais estudados.

“Quando olhamos os resultados de 20 modelos diferentes usados para traçar cenários climáticos – todos de alta robustez, publicados em revistas indexadas – vemos que há variabilidade em um fator de 30 vezes. Isso evidencia que nosso grau de desconhecimento sobre componentes críticos para as mudanças climáticas é muito grande”, afirmou.

Segundo Artaxo, os processos radiativos com os quais as nuvens influenciam o clima global são também muito pouco conhecidos. “Temos aí um campo de pesquisa promissor. O desmatamento, por exemplo, pode aumentar ou diminuir a precipitação, dependendo da escala. É preciso entender esses processos”, disse.

O pesquisador explicou que o efeito estufa e o efeito de resfriamento dos aerossóis e das nuvens, combinados, formam a forçante radiativa final. A componente de aerossóis, segundo ele, é crítica para determinar essa resultante. “A incerteza relativa aos gases de efeito estufa é pequena, mas é muito grande no caso do efeito dos aerossóis, por causa do nosso desconhecimento científico sobre essa questão”, disse.

Os aerossóis biogênicos são emitidos pelas plantas para atmosfera, assim como o vapor d’água que faz as nuvens. A vegetação biologicamente tem controle intenso sobre o clima da Amazônia, além de outras forçantes externas.

Catástrofes otimistas

Para Eduardo Delgado Assad, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que falou sobre o tema “Mudanças climáticas e agricultura”, mais estudos sobre o clima global ajudarão gestores públicos a decidir em que alternativas de adaptação investir.

Assad citou, como exemplo de possibilidades de adaptação, um estudo feito pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). “O estudo mostra que, com o aumento de dois graus centígrados, o plantio de maçãs seria inviabilizado em Santa Catarina. Mas, pela mesma razão, o estado poderia plantar banana. Mais estudos vão apontar esse tipo de alternativa econômica”, afirmou.

De acordo com Assad, o cultivo de algodão poderá se tornar impossível em 2050 no Nordeste, isso em um cenário otimista de aquecimento global. Cerca de 600 municípios brasileiros, sendo a maior parte na região, seriam excluídos da zona de plantio de algodão.

A cultura do café também sofreria: com três dias sucessivos de temperaturas acima dos 34ºC, a flor do café é abortada, destruindo a capacidade produtiva da planta. No mesmo cenário otimista, a planta seria confinada a algumas localidades em 2020.

“Já a cultura da cana-de-açúcar seria beneficiada. Ela sofreria um deslocamento para o Sul e poderia ser plantada em 2,6 mil municípios, contra os 1,6 mil atuais. São Paulo seria o estado mais beneficiado”, disse.

Segundo Assad, os R$ 7,4 bilhões perdidos nas culturas alimentares, por causa do aquecimento, seriam amplamente compensados pelos ganhos com a cana-de-açúcar. “Mas o país ficaria seriamente vulnerável em termos de segurança alimentar”, ponderou. Para o pesquisador, mais estudos poderiam ajudar a determinar que tipo de investimento teria que ser feito para uma adaptação.

Mudanças sociais

“Dimensões humanas das mudanças climáticas” foi o tema de Daniel Joseph Hogan, do Núcleo de Estudos de População e de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp. Segundo ele, as ciências humanas demoraram para se dedicar a estudar problemas ambientais, mas começaram a fazer isso quando houve pressão de movimentos sociais diretamente envolvidos com essas questões.

“Muitos cientistas sociais passaram a estudar questões relacionadas ao meio ambiente, mas os paradigmas usados para esses estudos não contemplaram as mudanças climáticas globais”, disse.

Para o pesquisador, o quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ao colocar a ação humana como causa central das mudanças climáticas, mudou a perspectiva com que o clima era encarado pelos cientistas sociais.

“Até a linguagem sofreu modificações em relação aos relatórios anteriores. Se antes se falava em mitigação e modelos, começou-se a falar também em vulnerabilidade e adaptação”, disse.

Essa nova perspectiva, segundo Hogan, deu importância à discussão sobre como o comportamento humano afeta o clima e vice-versa. “É um campo que gera necessidade de profundos estudos para os cientistas sociais, que têm um acervo de conhecimento sobre essas questões”, ressaltou.

Segundo Hogan, o Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais criará um incentivo científico para a mobilização dos cientistas sociais.

“Quando as ciências humanas contemplam a perspectiva de longo prazo, geralmente focam o passado. As análises de longo prazo focadas no futuro são menosprezadas, vistas como exercício de futurologia. Mas, tendo à disposição cenários cientificamente embasados, será possível trabalhar nisso. Esses cenários, no entanto, precisam ser regionalizados, para que os cientistas sociais tenham uma base concreta”, afirmou.

(Envolverde/Agência Fapesp)

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