quarta-feira, 4 de junho de 2008

Senado dos EUA vota lei climática

Por Paula Scheidt, do CarbonoBrasil

A lei passou por modificações importantes há duas semanas, passando a incluir negociações de RCEs e créditos florestais.

O Ato de Segurança Climática da América, ou simplesmente lei Lieberman-Warner, que estabelece um sistema de captura e comércio de emissões (cap-and-trade) para o país, entra em votação a partir de hoje no senado norte-americano. O projeto enfrentará diversos obstáculos para ser aprovado durante esta administração, uma vez que terá um grande impacto econômico em setores que hoje estão muito próximos da presidência.

Para alcançar reduções significativas, a lei provavelmente só será votada na próxima administração, segundo reportagem do jornal Washington Post. Mesmo os apoiadores do extenso e complexo projeto de lei (com 494 páginas) dizem que ele tem poucas chances de vencer no Senado, menos ainda na Casa dos Representantes e provavelmente nenhuma possibilidade de ser assinado pelo presidente Bush.

“De alguma forma, isto é um ensaio para o próximo ano, mas eu ainda acho que será algo útil para o Senado e Congresso porque, em algum momento, teremos que lidar com isto”, comentou o senador democrata Byron L. Dorgan, que disse ainda não ter decidido qual será seu voto.

No sábado, a senadora Bárbara Boxer trabalhou em busca de apoios ao projeto. “Existem algumas pessoas no Senado que insistem em achar que o aquecimento global não passa de ficção científica. O fato é que a maioria dos cientistas diz que a terra estará em perigo se não agirmos”, disse.

Longas discussões e novas emendas

Nenhuma outra lei que estabelecesse um programa de ‘cap-and-trade’ para cortar as emissões de gases do efeito estufa (GEE) nos Estados Unidos havia chego tão longe desde 2003, quando o senado votou contra tal proposta com uma grande margem de vitória.

Desde então, o projeto vem sendo discutido e modificado e, há duas semanas, sofreu importantes alterações. Dentre elas, a principal foi incluir a possibilidade de importação de créditos vindos de projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Inicialmente, o projeto previa que 15% da meta de redução de GEE poderia ser alcançada comprando-se créditos de programas similares de ‘cap-and-trade’. Com a nova emenda, até 5% das metas de redução de emissões poderão ser atingidas com a compra de Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), que são os créditos vindos de projetos de MDL.

Os outros 10%, de acordo com o texto da emenda do projeto, devem vir de “créditos referentes à proteção internacional das florestas”, porém “sujeitos a regras específicas”. Apesar de não especificar o que isto significaria, assessores da senadora Bárbara, que lidera a aprovação da lei no Senado, disseram que créditos de tais programas seriam “minuciosamente regulados”.

Segundo a consultoria New Carbon Finance, a mudança no projeto de lei proposta pela senadora Barbara Boxer pode mudar a feição de um mercado global de carbono unindo, unilateralmente, os Estados Unidos ao comércio internacional de carbono, criado pelo Protocolo de Quioto.

A consultoria IDEAcarbon alerta, no entanto, que esta inclusão não incentivará uma grande demanda de RCEs com o lançamento do esquema de comércio, previsto para 2012. “Uma leitura atenta do projeto revela que este não é o caso. O projeto não especifica o uso de RCEs, estabelecendo apenas que o administrador do esquema dos EUA deve ‘levar em consideração os protocolos adotados de acordo com a Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (subtítulo B, seção 321, parte (c), na página 33 da emenda) quando for criar padrões para as compensações internacionais. O único requisito é que as compensações ‘representem reduções de GEE reais, verificáveis, adicionais e permanentes” (subtítulo B, seção 321, parte (c), na página 33 da emenda)”, ressalta Nick Haslam, do IDEAcarbon. (Leia o comentário semanal do IDEAcarbon, clicando aqui)

Outra alteração importante foi a criação de um fundo de ‘alívio tarifário’, que iria auxiliar os consumidores que viessem a sofrer com o aumento dos custos energéticos até 2050. “Eu acho que veremos um tremendo apoio ao redor do país para isto”, disse a senadora Bárbara.

Os US$ 802 bilhões do fundo viriam das permissões de emissões que seriam leiloadas no programa de ‘cap-and-trade’. De acordo com os assessores de Bárbara, está previsto a arrecadação de US$ 3,32 trilhões com os leilões. Parte deste dinheiro seria usado para criar um programa de financiamento de fontes de energia com baixas emissões de carbono, como usinas nucleares.

Cerca de US$ 3,42 bilhões seriam destinados aos estados e empresas que já empregam medidas para reduzir as emissões, como uma forma de compensação financeira por terem agido voluntariamente. Os recursos serviriam para financiar programas de eficiência energética e ajudar a transição das indústrias para uma economia de baixa emissões de carbono.

Controle dos preços dos créditos

A emenda da senadora Bárbara também garante que o preço dos créditos de carbono norte-americano continue abaixo de US$ 25 a tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) até pelo menos 2020, comparado ao preço de US$ 45 a 50 a tCO2e proposto pelo projeto original. Este pode ser o custo de contenção crucial necessário para passar a legislação climática, na opinião de analistas da New Carbon Finance.

Os custos são limitados ao permitir que entidades dos Estados Unidos importem até 1,733 Mt por ano de compensações internacionais, ou o equivalente a emissões de quase 290 usinas energéticas de queima de carvão. “Isto garantiria aumento contínuo de 13 bilhões de dólares no mercado de Quioto”, dizem os analistas da New Carbon Finance.

Segundo a empresa, a legislação também provocaria um boom de atividades de conservação e restauração florestal, uma área até agora negligenciada pela União Européia e outros signatários de Quioto. Apesar de a importação de créditos de projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e de Implementação Conjunta (IC) ficarem limitados em 290 Mt em 2012, os créditos de florestas internacionais poderiam fornecer 1,450 Mt.

Isto significaria que os EUA não precisariam reduzir emissões domésticas até pelo menos 2030 e poderiam importar todas as reduções de emissões nas próximas duas décadas. “Participar de um mercado global ajudará a manter um controle no preço pago por emissores e, ultimamente, pelos consumidores nos EUA. O suprimento adequado de compensações internacionais em grande parte depende em quão cedo e claro será o sinal enviado pelo Congresso para desenvolvedores de projetos e financiadores de todo o mundo”, disse Emilie Cassou, associada da New Carbon Finance.

“Enquanto não faltam oportunidades de abatimento – a New Carbon Finance vê quatro mil megatoneladas(MT) por ano de potencial para compensações internacionais (incluindo aflorestamento e reflorestamento) mais outros 1,5 mil MT por ano com desmatamento evitado – isto não será desenvolvido se a demanda futura pelos créditos se mantiver incerta”, afirmou Cassou.

O maior comprador de compensações internacionais, a União Européia, hoje prevê cortar sua demanda por créditos de Quioto após 2012 em 100% na ausência de um quadro internacional. A emenda no projeto de lei dos EUA preveniria uma queda de atividades de projetos nos países em desenvolvimento e garantiria a existência do mercado.

Para o chefe do Painel de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Rajendra Pachauri, este é um “primeiro passo”, mas não é o suficiente para evitar danos com as mudanças climáticas.

Pachauri disse que mesmo planos mais duros por outros países desenvolvidos para diminuir as emissões de gases do efeito estufa serão insuficientes para prevenir os impactos projetados do aquecimento global. “Se você quer estabilizar o aumento das temperatures entre 2 e 2,4 ºC, nós estamos falando de cortes de 25 a 40% em 2020 referente aos níveis de 1990. Isto está longe do que está sendo considerado em qualquer estágio nas discussões sobre o Protocolo de Quioto”, afirmou.

(Envolverde/Carbono Brasil)

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