quinta-feira, 5 de junho de 2008

Críticas ao MDL são rebatidas

Por Sabrina Domingos, do Carbono Brasil

Bilhões de dólares estariam sendo gastos com o programa climático da ONU sem que houvesse retorno em corte de emissões efetivo, afirma uma matéria publicada no jornal britânico The Guardian na última semana. O texto toma como base pesquisas realizadas por acadêmicos e supervisores do mercado de carbono, que alegam haver abuso no principal fundo de compensação da ONU. De acordo com os estudiosos, empresas químicas e de geração de energia eólica, híbrida e de gás buscam créditos de redução de emissão para projetos que não deveriam ser qualificados.

Os pesquisadores entendem que o resultado é gasto de dinheiro sem a obtenção de cortes reais de emissão – o que subverte as garantias dadas pelos governos de que o mercado de carbono está reduzindo drasticamente os gases do efeito estufa.

As críticas tem como foco principal o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), sistema internacional estabelecido sob as regras do Protocolo de Quioto pelo qual países ricos alcançam suas metas de redução de emissões financiando projetos sustentáveis em nações em desenvolvimento. Os créditos provenientes desses projetos são comprados por companhias européias e governos que não conseguem atingir sozinhos suas metas de redução.

Em expansão

O mercado de créditos de MDL está crescendo rápido. Atualmente vale cerca de 20 bilhões de dólares por ano, mas a expectativa é de ultrapasse 100 bilhões de dólares em quatro anos. Mais de mil projetos já foram aprovados até agora e outros 2 mil estão em andamento.

Um artigo publicado pelos acadêmicos seniores David Victor e Michael Wara, da Universidade de Stanford, apresenta a avaliação de mais de 3 mil projetos inscritos ou já estabelecidos para ganhar até 10 bilhões de dólares em créditos pelo financiamento de projetos de MDL nos próximos quatro anos. Os pesquisadores concluíram que a maioria deles não deveria ser considerada para receber o auxílio. “Eles seriam desenvolvidos de qualquer forma”, afirma David Victor, professor de Direito de uma universidade da Califórnia. “É como se entre um e dois terços do total de compensações por MDL não representassem cortes efetivos de emissões”, acrescenta.

Os governos consideram o MDL sob as regras do acordo de Quioto vital para a redução das emissões globais. Para ganharem créditos por meio desse mecanismo, as reduções de emissões devem ser adicionais ao cenário que se teria sem a realização do projeto. Críticos defendem que é impossível provar esta “adicionalidade”, o que abre caminho para o abuso.

O artigo da Universidade de Stanford informa que quase todas as novas usinas movidas a vento, a queima de gás ou a combustíveis híbridos que serão construídas na China nos próximos quatro anos estão requerendo créditos de MDL, mesmo com o estímulo a essas indústrias fazendo parte da política chinesa.

“Os negociadores encontram meios de ganharem créditos que eles jamais teriam antes. Você nunca saberá com certeza, mas os países ricos estão pagando a mais por uma quantidade massiva”, diz Victor.

O diretor da New Carbon Finance no Brasil, Camilo Terranova, contrapõe o argumento lembrando que “no mundo real” leis e políticas não necessariamente são implementadas, principalmente em países em desenvolvimento. “Caso contrário os rios Tietê e Pinheiros não seriam tão poluídos, a Floresta Amazônica não estaria sendo desmatada e, no caso da China, não se estaria construindo 1MW de térmicas a carvão por semana”. Ele ressalta que, nesse último caso, cada projeto na China estaria reduzindo a necessidade de novas térmicas a carvão e, portanto, traz benefícios adicionais no combate à mudança do clima.

Terranova entende que os argumentos da Stanford University são falhos tanto na análise com relação à adicionalidade quanto no seu contexto: “A presença de política nacional não garante proteção ambiental nos países em desenvolvimento nem tão pouco nos países desenvolvidos”, avalia. Ele cita como exemplo o número de processos ambientais nos Estados Unidos contra empresas e corporações. “Sendo assim, como alegam que o mero fato de que hajam leis signifique que estas sejam implementadas e, portanto, anulem a adicionalidade de projetos?”, questiona.


Mais crítica

Um outro estudo publicado por um grupo americano que supervisiona rios internacionais indica que cerca de três quartos de todos os projetos de MDL registrados estavam prontos no momento da aprovação, assim, não precisavam do dinheiro do MDL para ser financiados.

“Parece óbvio que um projeto já construído não precisa de ganhos extras para ser construído”, afirma Patrick McCully, diretor de pesquisas na Califórnia. “O julgamento da adicionalidade tem se tornado desconhecido e impraticável. Nunca será provado definitivamente se o dono de uma fábrica que não ganhasse créditos de carbono não desenvolveria um projeto de reduções em sua fabrica”.

Terranova afirma que a falta de conhecimento gritante do processo de aprovação (ciclo do MDL) seria a única justificativa honesta para tal argumento. “Mais preocupante seria, contudo, que tendo o conhecimento que tal processo requer (com sorte dois anos desde a idéia inicial até o registro) ainda assim se faça tal afirmação”.

Ele destaca que tal projeto teria sido aprovado anteriormente pelo país de origem e por um país do Anexo-I do Protocolo; além de ser validado pela entidade designada. “Muitas vezes projetos ganham anteriormente a tudo isso a chamada carta de não-objeção dos países aonde o projeto será desenvolvido”, lembra. “É claro que, finalmente, desenvolvedores de projetos com o ganho de experiência podem avaliar o risco de se iniciar um projeto antes até mesmo da aprovação nacional e, portanto, não haver nada que afete a adicionalidade”.

Considerando que os autores tenham razão sobre o julgamento da adicionalidade, Terranova reforça que o inverso também seria verdadeiro: “Patrick também não pode provar a falta de adicionalidade. Além do mais, se esse raciocínio tem alguma validade, então, a única conclusão que pode ser feita, tendo em vista a necessidade de se reduzir as emissões, é de que o conceito seja interpretado de maneira a permitir um maior impacto e não restringir projetos”, conclui.

Um porta-voz do MDL em Bona, na Alemanha, explica que o fundo tem sido significante no corte das emissões e na oferta de incentivos a empresas que empregam tecnologias limpas: “Há um nível responsável de inspeção minuciosa. O processo é uma reforma contínua. Todos os projetos são verificados independentemente e certificados por terceiros. Há vários controles e equilíbrios e nós podemos mostrar como todos os projetos são verificados”.

Terranova admite que existam erros dentro do MDL, mas considera que isso, de maneira alguma, justifica críticas sobre a existência de do mecanismo. “Projetos podem, sem dúvida, devido a real falta de adicionalidade ou a erros na verificação ou no monitoramento, aumentar emissões, já que na melhor das hipóteses a neutralização é só isso - um jogo de soma zero”, explica. “Isso não quer dizer que o mecanismo deva ser extinto, mas sim que deva ser aprimorado”, ressalta.

Esse aprimoramento tem ocorrido, por exemplo, com o MDL programático e um futuro MDL setorial, que segundo o diretor, possuem potencial de transformar práticas ou setores por completo.

(Envolverde/Carbono Brasil)

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