segunda-feira, 19 de maio de 2008

Empresas se pintam de verde, mas apenas a fachada

Por Julio Godoy, da IPS
Bonn, 19/05/2008 – A imagem de muitas empresas multinacionais se tornou verde, mas isso não se traduz em fatos. Isto ficou claro na quarta reunião das partes do Protoclo de Cartagena sobre Biosegurança, realizado nesta cidade alemã na semana passada. Grandes companhias, desde cervejarias até empresas aéreas e fabricantes de automóveis, garantem ao público que colaboram com seu grão de areia contra o aquecimento global e a perda de biodiversidade. Mas, se o fazem, na realidade, é outro assunto.

As principais companhias bioquímicas, por exemplo, tentam impedir a aprovação de normas rígidas sobre transgênicos e ignoram as já vigentes sobre propriedade intelectual, a fim de se beneficiarem economicamente de conhecimentos tradicionais dos países pobres. O governo da África do Sul, o Centro Africano para a Biodiversidade e a organização não-governamental suíça Declaração de Berna alertaram que o umckaloabo, ou gerânio sul-africano (Pelargonium sidoides), foi usado durante séculos contra as enfermidades respiratórias.


Mas, um extrato da planta é comercializado pelo laboratório alemão Spitzner, com a justificativa de que a aplicação médica do umckaloabo é conhecido na Europa pelo menos desde 1935. Spitzner também vende derivados do umckaloabo como fármaco para o tratamento da aids. Mas a África do Sul alertou que as patentes alemãs são ilegítimas porque se baseiam em um recurso conhecido tradicionalmente na África austral.

Os métodos usados por Sptizner para extrair o umckaloabo “não são novos nem inovadores” diante das técnicas tradicionais dos curandeiros locais, disse o advogado Fritz Doeldner, representante da África do Sul e as duas organizações na impugnação junto ao Escritório Europeu de Patentes. Segundo a demanda, Spitzner também viola o parágrafo 5 do artigo 15 da Convenção da ONU sobre Biodiversidade, pelo qual o governo e os curandeiros que empregaram o umckaloabo durante séculos devem dar “consentimento prévio informado” para o uso comercial internacional de seus recursos genéticos.


A companhia nega que tal conhecimento seja necessário para a comercialização européia dessa planta e seus derivados. Devido à comercialização intensiva do umckaloabo, Lesoto o declarou em 2004 “em risco de extinção”. Enquanto isso, seis gigantes bioquímicos se opuseram à criação de normas internacionais sobre saúde e meio ambiente em relação aos organismos geneticamente modificados que eles desenvolveram. As companhias (BASF, Bayer CropScience, Dow AgroSciences, DuPont/Pioneer, Monsanto e Syngenta) querem, por outro lado, uma proposta “compacta” para resolver demandas através de acordos de compensação com países individuais, mais do que através de normas gerais de caráter obrigatório.

“A proposta é totalmente inadequada, pois não haveria confiabilidade na maioria dos cenários de contaminação com organismos geneticamente modificados”, disse à IPS Juan López, coordenador da campanha da organização não-governamental Amigos da Terra Internacional contra os transgênicos. “A maioria dos países em desenvolvimento que participam das conversações requerem sólidas regras internacionais que os protejam contra possíveis danos de cultivos geneticamente modificados. O contaminador deve pagar, e não se deveria permitir que ditasse os temos da compensação”, acrescentou. Christine von Weizsacker, presidente do instituto ambiental Eucoropa, disse que as empresas querem “privatizar a elaboração de leis ambientais internacionais”.

Mais de três mil delegados de 147 pises,todos eles integrantes do Protocolo de Cartagena, participaram da conferência da ONU em Bonn, em busca de garantir o uso seguro da biotecnologia moderna, incluindo um acordo sobre normas internacionais a propósito da confiabilidade. O Protocolo de Cartagena, adotado em janeiro de 2000, complementa o Convênio sobre a Diversidade Biológica e procura proteger a biodiversidade dos potenciais riscos oriundos dos organismos modificados. Entre outros procedimentos, o acordo prevê um intercâmbio internacional de dados que dê aos países os dados necessários para tomar decisões informadas antes de aceder à importação de organismos geneticamente modificados.

A reunião em Bonn precedeu um encontro do organismo que implementa o Convênio sobre a Diversidade Biológica, que começa hoje na mesma cidade. Cerca de cinco mil representantes de 190 paises participarão dessa conferência. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva participarão em Bonn das deliberações sobre destruição de florestas originárias, saque dos mares e perda de biodiversidade. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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