terça-feira, 1 de abril de 2008

A mudança climática depois de Bali

Façamos as contas: novas tecnologias com preços acessíveis podem evitar o aquecimento global e promover o crescimento
por Jeffrey Sachs
O acordo feito em Bali no último mês de dezembro, para iniciar uma negociação de dois anos a respeito da mudança climática, foi uma boa notícia, um raro exemplo de cooperação internacional em um mundo aparentemente preso a uma espiral de conflitos. Os cínicos podem dizer que a única conquista foi um acordo para conversar mais sobre o assunto, e seu cinismo pode vir a se confirmar. Ainda assim, a crescente compreensão de que medidas sérias de controle climático são possíveis a custos modestos é bem-vinda.

A aritmética está ficando mais clara. Se as nações ricas continuarem a ter renda crescente e as pobres sistematicamente reduzirem a desigualdade através do desenvolvimento bem-sucedido, por volta de 2050 a economia global poderá ter crescido seis vezes e o uso de energia, perto de quatro vezes. As emissões antropogênicas atuais de dióxido de carbono (CO2) giram em torno de 36 bilhões de toneladas por ano, das quais 29 bilhões são resultado da queima de combustíveis fósseis e processos industriais, e outros 7 bilhões, aproximadamente, são decorrentes do des-matamento tropical. Grosso modo, cada 30 bilhões de toneladas de emissões aumentam os níveis de CO2 em cerca de duas partes por milhão (ppm). A concentração atmosférica atual do CO2 está próxima de 380 ppm, tendo partido de 280 ppm no início da era industrial, em 1800. Assim, para atingir 440 ppm na metade do século – nível plausivelmente “seguro”, em relação a suas prováveis conseqüências para a mudança do clima, mas apenas 60 ppm maior que o nível atual – as emissões cumulativas precisariam se manter em cerca de 900 bilhões de toneladas, ou algo como 21 bilhões de toneladas por ano, em média, até 2050. Essa meta pode ser atingida com o fim do desmatamento – em termos líquidos – e um corte de um terço nas atuais emissões resultantes de combustíveis fósseis.

Aqui está o desafio. Será possível que a economia mundial utilize quatro vezes mais energia primária ao mesmo tempo que diminui as emissões em um terço?

A questão, em termos aritméticos, é reduzir as emissões de CO2 por unidade de energia primária para cerca de um sexto de seu nível atual. Isso pode parecer uma tarefa intimidante, mas na verdade é perfeitamente possível. Vamos nos lembrar que cerca de 80% do uso total de energia virá de um número pequeno de tipos de fontes: a produção elétrica (40%), veículos (25%), indústria pesada, inclusive a de cimento, indústrias petroquímicas, de refino e de aço(10%) e aquecimento de edifícios (10%).

Uma estratégia central promissora parece ser a seguinte: a eletricidade precisa tornar-se virtualmente livre de emissões, por meio da mobilização em massa de energia solar e nuclear, e da captura e aprisionamento do dióxido de carbono de usinas a carvão. Com uma rede elétrica limpa a maior parte das outras emissões também pode ser controlada. Em menos de uma década automóveis híbridos recarregáveis na rede provavelmente farão 40 km por litro. A eletricidade limpa poderia produzir hidrogênio para veículos movidos com células de combustível e substituir aquecedores e fornalhas de calefação residencial. Os grandes emissores industriais poderiam ser obrigados – ou estimulados pela tributação de licenças comercializáveis – a capturar suas emissões de CO2 ou a migrar parte de suas operações para células de combustível e eletricidade limpa.

A captura e aprisionamento em usinas a carvão poderia aumentar os custos da eletricidade em apenas 3% por quilowatt-hora, com os custos finais da eletricidade em torno de US$ 0,08 ou US$ 0,09 por quilowatt-hora. Esses custos implicam bem menos que 1% da renda mundial anual para a conversão a uma rede limpa. Os custos nos outros setores também serão pequenos. A economia de combustível nos carros de baixa emissão poderia facilmente compensar o preço das baterias ou células de combustível. A calefação residencial com eletricidade – ou com calor co-gerado –, em vez de aquecedores domésticos a gás, irá resultar em uma economia líquida, especialmente se combinada com isolamento mais adequado.

As negociações de Bali terão sido bem-sucedidas se o mundo se mantiver decidido a apoiar a adoção rápida de tecnologias de baixa emissão. Questões sobre quem deve levar a culpa, alocação de custos e escolha de mecanismos de controle são menos importantes que o rápido desenvolvimento e implantação de tecnologias, apoiados por mecanismos de controle escolhidos por cada país.

Se as tecnologias menos poluentes se concretizarem a baixo custo, como parece possível, os países ricos terão condições de limpar seus próprios sistemas de energia e, ao mesmo tempo, arcar com parte dos gastos necessários para fazer os pobres realizarem as conversões necessárias. O controle climático não é um jogo moral. É fundamentalmente um desafio tecnológico prático e solúvel, que, se adequadamente enfrentado, pode ser combinado com as necessidades e desejos de uma economia global em crescimento.

Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu).

Fonte: Scientific American Brasil

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