terça-feira, 1 de abril de 2008

Indígenas e minorias, vítimas silenciosas

Thalif Deen

Nova York, 17/03/2008(IPS) - Populações indígenas e minorias são as “vítimas silenciosas” potenciais da mudança climática, alertou a organização humanitária britânica Minority Rights Group International (MRG).

Estes dois grupos de população costumam ser afetados de forma desproporcional por desastres vinculados ao aquecimento do planeta, mas a comunidade internacional continua ignorando seu sofrimento, segundo a entidade, que tem sede em Londres. “Raramente se considera a situação única de minorias e indígenas desde que ocorre um desastre até quando se cria políticas ligadas a esse fenômeno”, afirmou Ishbel Matheson, chefe de políticas e comunicações da MRG.


Entre as populações mais desfavorecidas estão os dalits (intocáveis, segundo o rígido sistema de castas hindu) da Índia, a comunidade pescadora rakhain de Bangladesh, os grupos pastoris do Quênia, os karamajong de Uganda, os negros na Colômbia, os ciganos da Europa e os sami do norte da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia. Nas inundações do ano passado em Bihar, na índia, a ajuda aos dalits demorou a chegar e houve discriminação flagrante no processo de distribuição da ajuda, destaca o informe.

A “estreita relação de muitas populações indígenas e minorias com o meio ambiente as torna especialmente sensíveis ao impacto da mudança climática”, afirma a MRG. Os indigenas têm um conhecimento muito profundo do clima e suas conseqüências sobre plantas e animais, mas a mudança climática afeta seu modo de vida, acrescenta o informe. “Os idosos de nossa comunidade interpretam certos sinais da natureza e sabem quanto devem cultivar suas sementes ou quando começa a temporada de caça”, disse David Pulkol, dos karamajong de Uganda. “Mas, com a mudança climática fica impossível fazer esse tipo de previsão. Houve um aumento incomum das secas que causam uma grande perda de gado e aumenta a pobreza e a fome em nossa comunidade”, acrescentou.

O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, rede mundial de cientistas patrocinada pela Organização das Nações Unidas, disse que o aquecimento da Terra e os eventos climáticos extremos podem, no longo prazo, ser atribuídos à queima de combustíveis fosseis e outras atividades contaminantes que emitem na atmosfera dióxido de carbono, entre outros gases causadores do efeito estufa. A maioria dos cientistas atribui o aquecimento global a esses gases, como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso.

A ONU e suas agências especializadas em meio ambiente devem se envolver definitivamente no sentido de chamar a atenção para a difícil situação que sofrem as minorias devido à mudança climática, disse Matheson. “A dificuldade é que até há pouco, grande parte da polemica sobre mudança climática girou em torno de saber até que ponto a atividade humana é responsável pelo aquecimento do planeta e registrar os efeitos ambientais reais e futuros”, acrescentou. As negociações no contexto das Nações Unidas giraram em torno das medidas para deter as emissões de dióxido de carbono ou mitigar seus efeitos, disse Matheson. “Essa é uma prioridade óbvia”, reconheceu, e o centro das negociações para elaborar um pacto sucessor ao do Protocolo de Kyoto, que termina em 2012.

Esse convênio da ONU, que em 1997 estabeleceu metas de redução nas emissões de gases causadores do efeito estufa obrigatórias para os países ricos, é o único instrumento internacional contra o aquecimento global. “Mas, como os efeitos reais do aquecimento global são sentidos em escala humana, os políticos devem ir alem do impacto ambiental e analisar as conseqüências sobre as comunidades, especialmente as mais prejudicadas”, disse Matheson. O Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da ONU está concentrado nessa tarefa e já publicou uma série de estudos a respeito, acrescentou.

O lema do sétimo período de sessões do Fórum, que acontecerá entre 21 de abril e 2 de maio, será “Mudança climática, diversidade cultural e meios de vida: custódia pelos povos indígenas e novos desafios”. A “mudança climática é considerada um dos desafios mais importantes. Os últimos acontecimentos mostram a crescente vulnerabilidade do planeta diante desse fenômeno”, diz um estudo que será apresentado no próximo mês no Fórum. “Para os indígenas, a mudança climática é uma realidade e supõe perigos e riscos à sobrevivência de suas comunidades”, alerta.

O documento também adverte que esse fenômeno “tem graves conseqüências econômicas e sociais”. A “mudança climática é, fundamentalmente, um desafio para o desenvolvimento sustentável e deve vincular-se com maior força a uma agenda mais ampla de desenvolvimento, incluída a redução da pobreza e outros objetivos acordados pela comunidade internacional”, prossegue o estudo. Os desafios-chave para os indígenas são o impacto nas monoculturas, deslocamentos maciços de pessoas, má qualidade da água, da segurança alimentar, da saúde e da infra-estrutura, segundo afirmou-se em uma conferencia de ONGs realizada em Nova York em setembro do ano passado.

E um painel de especialistas internacionais organizado na Rússia em agosto de 2007 se concentrou nos danos ambientais, incluindo a contaminação e o despejo de resíduos tóxicos em terras habitadas por indígenas. Estes, e os grupos minoritários em todo o mundo, também são prejudicados pelos cultivos destinados a fabricar biocombustiveis, defendidos por muitos governos como uma solução para a mudança climática, segundo o documento da MRG. Os biocombustíeis, de origem vegetal, são considerados uma opção menos contaminante porque produzem menos emissões de dióxido de carbono.

“Porém, as comunidades indígenas são desalojadas à força, com a conseqüente perda de sua cultura e de seu sustento, para dar lugar a cultivos usados na produção de biocombustíveis”, diz o informe. Em muitas nações sul-americanas, como Brasil, Argentina e Colômbia, os indígenas foram expulsos de suas terras, algumas vezes com violência, para destinar suas terras à produção de combustível de origem vegetal. Outro aspecto do problema é a marginalização social. As sociedades pastoris do Quênia foram as mais afetadas pelas ultimas secas. Mas suas conseqüências se agravaram pela negligencia do governo e falta de medidas paliativas.

A exploração dos cultivos para a produção de biocombustíveis é especialmente problemática. Na Colômbia, por exemplo, mais de 90% das terras cultivadas com palmeiras em 2005 pertenciam a comunidades de afro-descendentes. Os 50 países menos avançados criam programas de ação para uma adaptação nacional, sob os auspícios da ONU, no sentido de criar desenhar estratégias para combater os efeitos da mudança climática, disse Matheson. “Mas, durante o processo não têm nenhuma obrigação de dar atenção às necessidades especiais das minorias ou dos povos indígenas”, acrescentou. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) costumam ser as agências da ONU encarregadas de trabalhar com esses países para criar os planos de adaptação.

(IPS/Envolverde) (FIN/2008)

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