terça-feira, 15 de abril de 2008

A mentira tem perna curta

Por Najar Tubino*, para a EcoAgência

Soja ocupa 21 milhões de hectares no Brasil.

Estão querendo transformar a discussão sobre o futuro da humanidade e da manutenção dos sistemas naturais em estratégia de mercado.

Ando meio enjoado com um discurso muito em voga, atualmente, sobre a sustentabilidade do planeta. Estão querendo transformar a discussão sobre o futuro da humanidade e da manutenção dos sistemas naturais, que existem e funcionam há bilhões de anos, de uma forma integrada, em estratégia de mercado. Como se fosse possível enfatizar determinados aspectos na vida das empresas - modo de produzir, ajustes internos na melhoria da qualidade dos produtos, cumprimento de legislação e distribuição de dividendos -, transformá-los em peças publicitárias e ainda faturar mais alguns trocados. Anotei alguns trechos de um consultor – publisher – de uma revista sustentável, a respeito desse assunto:

- Pela convicção de que, mais do que o imperativo moral, ser sustentável corresponde a um outro patamar de sucesso empresarial, ou pela conveniência competitiva de antecipar-se ao que o mercado quer e valoriza, cada vez mais organizações vêm procurando identificar vértices de sinergia, entre os seus negócios e os interesses da sociedade e do planeta, conciliando lucro com bem-estar social......

Com a substituição gradativa da noção de risco para o da oportunidade, sustentabilidade vai deixando de ser um tema periférico para ocupar o cerne da estratégia de negócios.... o foco antes concentrado no processo interno cede seu lugar para um outro, no cliente e no mercado”.

O Mercado é cego

Como diz o vice-presidente do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), Mohan Munasinghe, do Sri-Lanka, o mercado é cego, embora ninguém possa ignorá-lo, mas no passo que as coisas andam neste momento – no ritmo da tartaruga -, enquanto projetos de transnacionais correm no ritmo da lebre. Discute-se o próximo estágio para o Protocolo de Kyoto, que encerrará oficialmente em 2012, sem reduzir os 25% dos gases estufa, conforme a previsão inicial. Ao contrário, houve um aumento de 70% nas emissões de CO2, N20 e CFC nos últimos 10 anos. Os representantes de quase 200 países se reuniram na Tailândia.

O secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, mandou uma mensagem dizendo que é urgente definir novas estratégias para diminuir o aquecimento e que “todos os países devem aderir ao Protocolo”. Um discurso dirigido ao maior vilão, maior poluidor do mundo – Estados Unidos, com seus 25% de emissões -, mas que na prática não influencia em nada. Os norte-americanos passaram os oito anos da administração Bush na mesma posição, ainda incentivando iniciativas ridículas, direcionadas a atrasar a discussão sobre os efeitos da poluição, na vida do planeta.

Agora temos um debate maior ainda: a produção dos combustíveis vegetais. Fui comprar óleo de cozinha. Lógico que o de soja não está na minha lista, mas mesmo ele, com as 54 milhões de toneladas produzidas no Brasil, dobrou de preço. Comprei o de canola, na promoção – R$ 4,89. Olhei bem os dizeres do rótulo. Lembrei dos europeus, estão desviando a canola para produção de diesel vegetal. E constatei o óbvio: o litro diminuiu de tamanho, não tem mais 1000 mil, agora tem 900 ml. O preço aumenta na ordem de 40 , 50% e a quantidade diminui 10%. É a contabilidade do momento.

No ano passado, em uma feira agropecuária no interior da Argentina, o vice-presidente da Monsanto Robert Fraley – detentora de 90% do mercado de sementes transgênicas no mundo – declarou o seguinte, sobre o crescimento dos agro – combustíveis:
- Era inimaginável em termos do que significará para a área cultivada com milho e soja”.

2 milhões/ha queimaram

O inimaginável no Brasil significam 90 milhões de hectares incorporados à monocultura da soja, inclui um pedaço da Amazônia . Nos meses de janeiro e fevereiro o desmatamento cresceu 13%, em relação a 2007. Agora a derrubada acontece no período das águas, com chuvas intensas. Registra-se o fato de que a soja ocupa no Brasil 21 milhões de hectares.

A cana-de-açúcar bate recordes de produção. Uma notícia chama a atenção. A mecanização atinge 47% das plantações paulistas, indicam, segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que 1,76 milhão de hectares não são queimados, dos 3,790 milhões colhidos no ano passado. Na realidade quer dizer outra coisa: mais de dois milhões de hectares foram queimados em 2007. Na mesma semana a Petrobrás anuncia a intenção de construir um alcoolduto de Campo Grande até Paranaguá, no Paraná. O número de usinas no Mato Grosso do Sul subiu de 11 para 49. Em dois anos, a situação mudou muito. Em 2006, quando saí de Campo Grande, voltando a Porto Alegre, comentei com outro jornalista sobre o futuro do MS. Duas tendências explodiram: as carvoarias – mais de cinco mil – e a cana-de-açúcar. E vem aí o “plástico verde”, produzido pela Brasken, pela Dow e outras. Transformando etanol em eteno e em polietileno. Dizem que dá o dobro da produção na mesma quantidade de nafta. Mais usinas e mais cana-de-açúcar – R$ 5 bilhões investidos pela Odebrecht, maior acionista da Brasken, no setor .

Na fórmula –1 temos outro representante verde, dessa vez, na versão integral: carro verde, mecânicos, pilotos, todos vestidos de verde. É a Honda, montadora japonesa, divulgando o sonho de um planeta verde. O presidente do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável, Fernando Almeida, escreveu no mesmo periódico sustentável, que o produto mundial bruto cresceu nove vezes entre 1950 e 2005 – de 7 trilhões de dólares para 60 trilhões de dólares. Dos 6,2 bilhões de habitantes do planeta – existem estatísticas de 6,5 bilhões – 2,4 bilhões são crianças e adolescentes. Em 2020, 70% da população mundial estará em idade produtiva. Segundo ele, “o imenso mercado latente espalhado por nações pobres e emergentes terá a resposta para a construção de um novo modelo de desenvolvimento”.

A volta da colônia

Produzindo cana e soja, os países emergentes voltam ao passado colonial. Nem a Europa, nem os Estados Unidos têm área para produzir combustíveis vegetais, na quantidade necessária ao consumo das suas populações e que são responsáveis pelo nível de 385 ppm de CO2, atualmente na atmosfera. A média normal seria de 270 ppm (partes por milhão). O que é pior: misturar 5% ou 20% de combustível vegetal não significa acabar com a emissão de gases estufa – reduz o CO2, e aumenta os óxidos de nitrogênio, que são 25 vezes mais poderosos na retenção do calor. Sem contar o aumento nos incêndios da floresta que dará lugar às plantações. No aumento na quantidade de fertilizantes e químicos envolvidos na mesma operação, todos produtos fabricados com componentes de petróleo. São 45 milhões de toneladas de químicos, hoje em dia, usados na produção industrial de grãos.

Mais o transporte desses produtos até a zona de produção – o Brasil, por exemplo, importa 74% das matérias-primas usados nos fertilizantes. Depois levar até as regiões de plantio - de caminhão, é claro -, plantar e colher, com máquinas movidas a diesel. Finalmente, rodar 2, 3 mil quilômetros das regiões de maior produção - o Mato Grosso é o maior produtor de soja do país -, até os portos. Que seguirão em navios movidos a óleo diesel.

É por isso, que lembrei de um velho ditado: a mentira tem perna curta.

* Najar Tubino é jornalista e autor da palestra "Uma visão Holística e atual sobre a integração do planeta", que trata das mudanças climáticas, aquecimento global, extinção de espécies, o funcionamento dos sistemas que compõem e movimentam a vida na Terra, com data-show e ilustrada com imagens de satélite da Nasa. Pode ser agendada pelo telefone: (51) 96720363, e-mail: najartubino@yahoo.com.br

(Envolverde/Ecoagência)

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