terça-feira, 15 de abril de 2008

Cientistas rejeitam política de biocombustiveis da UE

Por David Cronin, da IPS

Bruxelas, 14/04/1008 – Os cientistas que assessoram os funcionários da União Européia pediram a eliminação da meta de uso obrigatório de combustíveis agrícolas no transporte, que deve chegar a 10% em 2020. Os governos da UE acordaram esse objetivo em 2006 como parte de uma bateria de medidas destinadas a reduzir a contaminação que leva à mudança climática. Mas, agora, o Comitê Científico da Agência Européia de Meio Ambiente considera que essa meta é “extremamente ambiciosa” e recomenda suspendê-la até que seja feita uma ampla investigação sobre o que há de bom e de mau nos biocombustiveis.

Esses combustíveis agrícolas – basicamente etanol e biodiesel – são refinados a partir de alimentos como açúcar, soja, milho e óleo de palma, entre outros cultivos. Segundo um documento divulgado na quinta-feira pelo Comitê, para cumprir o objetivo de 10% serão necessárias importações de biocombustiveis em grande escala. Com uma crescente produção em matérias-primas, como óleo de palma, para refinar biodiesel, ao preço de desmatar florestas em países pobres, será muito difícil ter um controle para saber se os cultivos destinados a alimentar o transporte europeu são obtidos de maneira sustentável, argumentam os cientistas.

O biodiesel e o etanol emitem menos gases causadores do efeito estufa do que seus semelhantes refinados de fontes fósseis, com óleo combustível e gasolina. Mas o desmatamento é outra fonte importante de gases que causam o aquecimento global. Por isso é preciso observar toda a cadeia de produção dos biocombustiveis para certificar que a contaminação que é eliminada por um lado não seja gerada por outro, alertaram ambientalistas. Por estas razões, o Comitê Científico diz que talvez a produção e o uso de biocombustíveis não levem realmente a grandes reduções de dióxido de carbono, o principal gás causador do efeito estufa, em comparação com os derivados do petróleo. Além disso, o Comitê expressa sua preocupação de que esta nova produção implique maior pressão sobre recursos limitados, como água e solo, bem como sobre a flora e a fauna.

O documento do Comitê também questiona se a meta da UE é realista, já que o objetivo adotado em 2003, que propunha chegar a 2005 com 2% de biocombustiveis no setor do transporte, não foi atingido. Presidido pelo professor húngaro László Somlyódy, o Comitê é o segundo organismo científico do bloco europeu a colocar em dúvida este ano a meta de 10%. Em janeiro, um informe filtrado por cientistas do Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Européia, órgão executivo da União Européia, afirmou que os custos para alcançar essa meta “quase superarão os benefícios”. O Centro também criticou a decisãao de estabelecer a meta no transporte, argumentando que seria mais eficiente destinar recursos agrícolas para gerar eletricidade em lugar de combustíveis.

A posição da Agência Européia de Meio Ambiente contrasta com a do presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Durão Barroso, que disse na semana passada que a UE deveria “sustentar” sua meta, já que a alternativa aos biocombustiveis é continuar usando derivados do petróleo. Barroso também ignorou alertas do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas e do Banco Mundial de que um crescimento sideral na demanda de combustíveis agrícolas está contribuindo para elevar os preços dos alimentos e os riscos de fome em países mais pobres.

“Barrosso está cada vez mais isolado. Vive em outro mundo se acredita saber mais do que todos os especialistas em políticas alimentares. A meta de 10% é insustentável”, disse o ativista Adrian Bebb, da rede ambientalista Amigos da Terra. Os comentários de Barroso foram semelhantes aos do comissário europeu de Energia, o letão Andis Peibalgs, que no mês passado queixou-se de que os biocombustiveis se converteram nos “culpados” pelos altos preços dos produtos básicos, quando, na verdade, culpa maior têm as más colheitas e o melhor nível de vida na Índia e na China.

Para Bebb, a postura da Comissão se deve mais à influência e às pressões de empresas com grandes interesses no setor dos combustíveis agrícolas que do ao desejo de proteger o meio ambiente. “Os únicos que ganharão com a meta de 10% serão as grandes empresas agroquímicas, que vendem sementes, fertilizantes e pesticidas. Todos os demais perderão”, acrescentou. Gerard Choplin, da Coordenação de Agricultores Europeus, disse que “os biocombustiveis são um bode expiatório. Nos Estados Unidos, usa-se cada vez mais milho para produzir biodiesel, portanto esse país exporta menos milho. Isto implica uma nova pressão no mercado internacional, diretamente vinculada aos biocombustiveis”.

Apesar do que disseram Barroso e Piebalgs, Choplin acredita que outros altos funcionários da UE são menos obstinados. Em março, o primeiro-ministro da Eslovênia, Janez Jansa, que exerce a presidência rotativa da União Européia, afirmou que não se excluía a possibilidade de revisar a meta de 10%. Barroso também argumentou que é preciso conceber critérios para garantir que a produção de biocombustiveis aconteça sem causar grandes danos ambientais. Para os ambientalistas, são pouco rígidos os critérios preparados no mês passado por funcionários do Conselho de Ministros, que reúne os 27 governos do bloco.

Embora os funcionários tenham recomendado que a Comissão analisasse os efeitos sociais e ambientais dos biocombustiveis, esta somente sugeriu que fossem propostas “ações corretivas” caso se fizessem “necessárias”. Não surgiram propostas sobre a preocupação por uma potencial fome. A organização Greenpeace, o Escritório Europeu do Meio Ambiente (federação com mais de 140 entidades ambientalistas), Amigos da Terra e BirdLife International exortaram os governos da UE a não apurar o desenho dos critérios.

Um acordo apressado de normas para os biocombustiveis que “não prevejam potenciais resultados devastadores para a proteção climática, biodiversidade e as populações vulneráveis feriria gravemente a credibilidade dos esforços da União Européia para lutar contra a mudança climática e enfrentar adequadamente as emissões no setor do transporte”, disseram as organizações em um comunicado conjunto. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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