quarta-feira, 2 de abril de 2008

AMAZÔNIA NA MÍDIA XI Floresta tem relação direta com o clima

AMAZÔNIA NA MÍDIA XI Floresta tem relação direta com o clima25/03/2008

Árvores da floresta sugam a água do solo e a manda para a atmosfera

Foto: Sérgio Vale

Cientista Eneas Salati permitiu o vínculo inconteste entre floresta e clima

Lourival Sant’Anna – O Estado de São Paulo

MANAUS - Se fosse francês, Eneas Salati seria chamado de savant, um homem que reúne conhecimentos ao mesmo tempo profundos e abrangentes sobre diversas áreas que se interconectam no mundo real, que ele explorou incansavelmente em cinco décadas de pesquisas de campo. Se a ciência pode determinar hoje o vínculo causal entre a floresta e o clima, ela deve isso a Salati e aos seus colegas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), em Piracicaba (ambos dirigidos por ele entre 1979 e 81 e entre 1981 e 85, respectivamente).


Salati começou sua relação com a água pela falta dela. Em 1966, ele foi para o Rio Grande do Norte pesquisar as águas subterrâneas, num projeto da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que buscava soluções para o problema da seca. Medindo, com Carbono 14, a idade da água acumulada nas fendas das rochas, que representa 70% das águas subterrâneas do Nordeste, e daquela nos lençóis freáticos (os outros 30%), ele descobriu que 95% dos 700 milímetros de chuva que caíam por ano na região eram perdidos para a evaporação e para a transpiração das plantas.


Na época, o Nordeste estava em franca emigração para a Amazônia, numa fuga do pesadelo da caatinga para um sonho de chuvas e rios inesgotáveis. Salati foi da opinião de que se deveria fazer o inverso: em vez de mandar o nordestino para a Amazônia, trazer um pouco da água amazônica para o sertão. Isso porque o ar seco do sertão o torna o melhor lugar do Brasil para a agricultura, se for combinado com um solo irrigado. O ar úmido traz fungos e insetos para as plantas. O que se quer é umidade na terra, não no ar. Obviamente, Salati não foi ouvido. Mas foi convidado a pesquisar a relação entre a floresta e o clima da Amazônia. A hipótese da época: se a floresta fosse derrubada, a chuva continuaria igual, porque vinha do Oceano Atlântico.


Durante quase três anos, Salati e sua equipe mediram o volume da água da chuva que descia pelos troncos das árvores de uma “bacia modelo” de 25 quilômetros quadrados do Inpa, ao norte de Manaus. Compararam com o volume do igarapé para onde a água escorria e com o da chuva que caía sobre a área. Fizeram, assim, o balanço da água. Descobriram que, nessa bacia, 25,9% da chuva escorria para o igarapé, 25,6% era interceptada pelas copas das árvores, de onde evaporava diretamente, sem vir para o chão, e o restante 48,5% era transpirado pelas árvores, que, como uma bomba, sugam a água do solo e a manda para a atmosfera. Concluíram que 74,1% da chuva provém de “evapotranspiração” – a soma de evaporação e transpiração.


Salati aplicou esse modelo sobre os dados meteorológicos de toda a Bacia Amazônica, cuja precipitação média anual é de 2.400 milímetros, e à vazão do Rio Amazonas, e calculou que a evapotranspiração responde, no mínimo, por 50% das chuvas da região. O trabalho foi publicado em 1985 no livro Key Environments – Amazonia, uma coletânea editada Ghillean T. Prance, do Jardim Botânico de Nova York, e Thomas E. Lovejoy, do WWF, nos Estados Unidos, com prefácio do príncipe Philip, o marido da rainha da Inglaterra.


A pesquisa consta, como muitos outros trabalhos de Salati, do acervo da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). No total, foram 154 trabalhos publicados, classificados no seu currículo pelos tópicos: hidrologia e ecologia da Amazônia, o semiárido nordestino, recursos hídricos, fixação biológica de nitrogênio, energia solar, geoquímica, enriquecimento isotópico, mudanças globais e outros.


Não contente, o cientista foi atrás de outra prova complementar para descartar a hipótese concorrente: a de que toda a água da chuva da Amazônia provinha do Atlântico. Com apoio de bases da Aeronáutica e de corveta da Marinha, sete alunos de Salati colheram amostras da Bacia Amazônica, para analisar os seus isótopos, que funcionam como traçadores da água. Reconfirmaram que grande parte dessa chuva tem origem na “reciclagem” da água da floresta.


“Se desmatar, vai mudar o clima”, constatou Salati, aos 74 anos, diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, no Rio. Hoje, o modelo é extrapolado para o estudo da chuva que cai no Sudeste, e já está provado que os chamados “rios voadores”, vindos da Amazônia, também são importantes no clima dessa região.

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