sábado, 16 de fevereiro de 2008

Aquecimento Global - o IPCC tem tudo de político e nada de científico

Entrevista do jornal portugues Expresso (9/2/2008) com João Corte-Real, 65 anos, o mais antigo investigador português do clima e o único professor catedrático em meteorologia do país (Universidade de Évora).

Embora esta entrevista inclua questões de carácter climático e de carácter ambiental, esta transcrição, parcialmente truncada, abarca apenas a parte climática. Para ver a entrevista na totalidade consulte o site do Expresso.



Corte-Real: "Não estamos à beira de qualquer catástrofe"

Expresso: Estamos à beira de uma catástrofe nas alterações climáticas?

Corte-Real: Acho que não vai haver qualquer catástrofe (...) Falar em catástrofe não é científico, não é humano, é uma forma primitiva de apresentar as questões.

Expresso: Porquê?

Corte-Real: O clima não é uma constante, é por natureza variável, e o planeta Terra já foi sujeito a alterações climáticas no passado, para climas mais quentes e mais frios, e nunca houve um fenómeno catastrófico.

Expresso: Os dados sobre o clima são fiáveis?

Corte-Real: Há resultados de observações que apontam para uma alteração do clima e eu não os vou pôr em causa. O que ainda é discutível é se o homem é o principal responsável por essa mudança, isto é, não há certezas em relação às causas principais do fenómeno.

Expresso: Portanto, aposta mais em medidas adaptativas do que em medidas para contrariar o aquecimento global...

Corte-Real: Em relação ao clima, como este é o apuramento estatístico de um certo período temporal - de 30 anos, no mínimo -, aí não temos ainda previsões. (...) Não temos a certeza se o lançamento para a atmosfera de gases ditos com efeito de estufa é a principal causa das alterações climáticas.

Expresso: Será possível prever um dia o clima?

Corte-Real: Sim, com os desenvolvimentos tecnológicos, quer nas observações quer no cálculo científico, tal como hoje temos previsões do tempo. Agora, os actuais modelos de clima terão de ser muito melhorados em certos aspectos.

Expresso: Em quais?

Corte-Real: Repare que os actuais modelos estão a ser forçados para aquecer e, por consequência, se os processos naturais que podem contrariar o aquecimento estiverem mal representados nos modelos, obviamente que eles vão dar aumentos de temperatura que não se vão observar. É essa uma das razões por que prestigiados cientistas como Richard Lindzen, professor de meteorologia do MIT, não acreditam na corrente de pensamento dominante. Ele argumenta, e com razão, que o papel das nuvens, que é fundamental, está pessimamente representado nos modelos de clima existentes. E, de facto, estes modelos são ainda muito limitados - apesar de terem evoluído de uma forma fantástica - porque os processos ligados ao clima são muito complexos. Não é fácil estar a entender e a modelar estes processos.

Expresso: Ainda não há uma Teoria do Clima?

Corte-Real: Não, e é esse o problema. Enquanto nos limitarmos a utilizar estatisticamente resultados de modelos imperfeitos, as coisas não vão avançar muito. Mas os cientistas que usam métodos estatísticos quer para tratar observações quer para tratar de resultados de modelos não são para descredibilizar. Há muitas incertezas ligadas a esta problemática. Temos de investigar mais, de melhorar mais os modelos e de procurar entender os processos.

Expresso: As conclusões do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU são credíveis?

Corte-Real: O IPCC é formado por um conjunto de pessoas que vão traduzir o trabalho da comunidade científica. São pessoas credíveis, agora não podemos esquecer que o Painel é politicamente orientado, as suas conclusões não são puramente científicas. E são apresentadas em termos probabilísticos, porque o IPCC toma as suas precauções na forma como fala. Mas também reconheço que muitas das pessoas que, em Portugal e fora do país, estão ligadas a esta problemática das alterações climáticas não são cientistas do clima.

Expresso: Então por que estão eles envolvidos no processo?

Corte-Real: Por causa da tal orientação política e porque as novas formas de produção de energia, justificadas pela necessidade de reduzir as emissões, envolvem interesses económico-financeiros, tal como as energias fósseis. Em Portugal há uma dezena de cientistas ligados ao clima que está fora de todo o processo nacional e internacional de preparação de medidas para enfrentar as alterações climáticas. A composição da delegação portuguesa na Cimeira de Bali é um bom exemplo desta realidade.

Expresso: E quanto aos fenómenos naturais?

Corte-Real: Olhe, em 2007/2008 temos um bom exemplo: estamos a viver um fenómeno que começa no hemisfério Sul, o La Niña (o oposto do famoso El Niño), bastante intenso, que provocou anomalias em várias regiões do globo. Quando há um El Niño há um aquecimento global da troposfera. Acredita-se que foi devido ao La Niña que o último Verão foi fresco e chuvoso, por exemplo. O instituto meteorológico do Reino Unido já veio dizer que 2008 vai ser provavelmente o ano mais frio depois de 2000 por causa do La Niña. Isto justifica os fenómenos extremos que se têm registado no mundo, sobretudo na América do Sul. Esses fenómenos são preditíveis, as suas consequências são conhecidas e pode haver, por isso, uma intervenção humana para os mitigar.

Expresso: O clima na Europa está mais quente?

Corte-Real: Um trabalho de investigação feito pelo investigador João Santos, da Universidade de Évora, no âmbito do projecto europeu MICE (Impactos Extremos de Clima na Europa) conclui que sobre a Europa, quer na temperatura mínima quer na máxima, o número de episódios frios (em que as temperaturas mínima e máxima estiveram abaixo da média) diminuiu entre 1961 e 1990, e o número de episódios quentes aumentou. Mas esse aumento não foi uniforme, deu-se sobretudo numa parte da Europa do Norte e no Mediterrâneo Ocidental. Quando se fala em aquecimento global, não quer dizer que ele se dê em todos os lados e em todos os locais. Quer antes dizer que o positivo dominou o negativo na evolução das temperaturas. João Santos verificou também que a grande responsabilidade destas distribuições de temperaturas no período de referência (estamos a falar em dados reais e não em cenários) é devida à Oscilação do Atlântico Norte (NAO). Registaram-se anomalias aquecimentos nuns lados, arrefecimentos nos outros - porque houve uma predominância da fase positiva da NAO em 1961-1990. Isto significa que não nos temos que reportar necessariamente a alterações climáticas.

Expresso: Além do NAO, há outros exemplos?

Corte-Real: Há também a chamada Oscilação Decadal do Pacífico, de baixa frequência, que acontece de 10 em 10 anos, que é referida por um cientista brasileiro que também não acredita nada no aquecimento global, Luís Carlos Molion, da Universidade de Alagoas, em Maceió. Segundo ele, o clima global é muito condicionado por esta oscilação na temperatura das águas do Pacífico (que sobe ou desce). E constata que esta oscilação está a caminhar para a sua fase negativa, o que significa que a partir de 2012-2015 vamos começar a ver as temperaturas na atmosfera a descer. Eu não sei se ele tem razão ou não, mas o que de facto sabemos é que quando determinadas oscilações estatísticas persistem, vão criar anomalias de tempo, de temperatura. Se existirem oscilações de grande período (de baixa frequência), podemos estar a sentir uma subida de temperatura e julgar que é uma tendência, quando na verdade não é.

Expresso: E como pode a ciência explicar estas diferenças?

Corte-Real: A atmosfera tem de obedecer às leis da Física, que obrigam a certos balanços de massa, de energia, de momento angular, etc. A circulação da atmosfera tem de ser feita para satisfazer esses balanços globais. Quando as temperaturas excedem um limiar, a atmosfera desestabiliza-se e criam-se perturbações (as frontais, as frentes) que acabam com a instabilidade. Portanto, podem acontecer ciclones tropicais para redistribui energia e momento angular. E isso pode explicar muita coisa, não é preciso pensar só em alterações climáticas.

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