segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Pnud cobra solidariedade climática

A América Latina e o Caribe sofrerão perdas terríveis se não se inverter o aumento da contaminação por carbono, impulsionado principalmente pelo maior consumo de combustíveis fósseis, alertou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Estão diminuindo as geleiras andinas que fornecem 80% da água doce consumida nas cidades do Peru, devido à mudança climática desatada pelo acúmulo de gases como o dióxido de carbono, que aquecem a atmosfera, diz o Informe sobre Desenvolvimento Humano 2007-2008 do Pnud, divulgado ontem em Brasília e outras cidades do mundo. Outros países andinos, como Bolívia, Equador e Colômbia, enfrentam perspectivas semelhantes às peruanas, já que suas geleiras estão perdendo extensão desde a década de 70.

Se a temperatura global aumentar acima de dois graus neste século, o México poderá perder mais de 60% de sua produção de milho, base alimentar dos mexicanos, e as Bahamas mais de 10% de seu território devido à elevação do nível do mar, causada pelo derretimento dos gelos polares. Secas e chuvas irregulares, além de eventos climáticos extremos, podem reduzir a produção agrícola e agravar a insegurança alimentar de milhões de pobres, como ocorreu em Honduras com o furacão Mitch, que em 1998 reduziu a renda de famílias rurais pobres e ampliou a pobreza de 69% para 77% da população nacional.

O agravamento da aridez do Nordeste brasileiro, uma transformação de parte da Amazônia selvagem em savanas ou pradarias, maior desertificação e inundações costeiras são outras conseqüências já previstas pelos estudos sobre mudança climática na região. Os difíceis avanços latino-americanos em desenvolvimento humano – conceito que compreende não só a renda da população mas dimensões como saúde, educação, moradia digna, cultura e participação política – poderiam cair como um castelo de cartas por causa da mudança climática, adverte o Pnud.

O Brasil recebe um destaque positivo, tanto por sua matriz energética relativamente limpa, baseada na hidrelétrica, e pelo desenvolvimento pioneiro da indústria do álcool combustível, menos contaminante do que a gasolina, quanto por seu programa de bolsa-família, que beneficiam 11 milhões de famílias pobres com uma pequena ajuda financeira mensal. O programa é um bom exemplo de “transferência em efetivo condicionada”, porque exige das famílias beneficiadas que os filhos freqüentem a escola e outras contrapartidas que reduzem a vulnerabilidade social dos pobres e favorecem avanços em desenvolvimento, reconhece o Pnud.

O álcool combustível, ou etanol, produzido a partir da cana-de-açúcar é outra experiência brasileira recomendada “como um dos exemplos mais impressionantes”, contraposição aos biocombustíveis norte-americanos e europeus, extraídos do milho e da colza, por sua baixa eficiência energética e de redução de gases causadores do efeito estufa. Abrir os mercados protegidos do Norte ao etanol brasileiro seria um avanço para a segurança climática, avaliou Kevin Watkins, diretor do Escritório do Informe sobre Desenvolvimento Humano, em conversa com correspondentes estrangeiros no Rio de Janeiro. Outras opções energéticas, como o aumento do uso de carvão mineral, “vão na direção errada”, acrescentou.

Os países ricos são os principais responsáveis pelo aquecimento global, por lançarem na atmosfera a maior parte dos gases causadores do efeito estufa, mas seus danos iniciais afetam mais os pobres, agravando as desigualdades e ameaçando com retrocessos em muitas nações. Esse efeito injusto é destacado no informe “A luta contra a mudança climática: solidariedade frente a um mundo dividido”, um chamado à ação em suas 246 páginas em espanhol e 213 em inglês.

Senão se agir com urgência e eficácia para reduzir os gases causadores do efeito estufa, seu acúmulo na atmosfera pode chegar a um ponto sem retorno, desatando complexos mecanismos de retroalimentação, afirma o informe. No longo prazo toda a humanidade está ameaçada, mas são os pobres, “sem responsabilidade no passivo ecológico que estamos acumulando, os que sofrem os custos humanos imediatos e mais graves”, disse Kemal Dervis, administrador do Pnud.

As diferenças são gigantescas. “O Brasil tem uma emissão (de gases causadores do efeito estufa) de uma tonelada por pessoa, a Etiópia cerca de 0,2 tonelada e os Estados Unidos 20 toneladas”, comparou Dervis, desatacando que universalizar a contaminação norte-americana exigiria os recursos naturais de nove planetas Terra. É preciso um esforço “imediato” para conter aquecimento em um máximo de dois graus, apontado pelos cientistas como “o umbral de uma mudança climática perigosa”, disse Watkins.

O informe cobra dos países em desenvolvimento redução de, “pelo menos, 80%” dos volumes de gases que causam o efeito estufa lançados em 1990, “antes de 2050”, e de 30%, “até 2020”. Algumas medidas sugeridas são os impostos sobre contaminação, a fixação de limites, a regulamentação do uso de energias e o fortalecimento da cooperação internacional para financiar programas de mitigação e adaptação, além de incrementar a transferência de tecnologias.

“O desafio mais difícil” é a distribuição dos custos das políticas necessárias, porque “os que são em grande parte causadores do problema, os países desenvolvidos, não serão os que sofrerão as piores conseqüências no curto prazo”, reconhecem na introdução do informe Dervis e o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. Um grande obstáculo às medidas efetivas é “a grande brecha entre as provas científicas e a ação política”, diz o informe, depois de reconhecer certo consenso nas conclusões de cientistas, embora “a ciência da mudança climática trabalhe com probabilidades, não com certezas”.

“As futuras gerações nos julgarão pela forma como respondermos a este desafio”, afirmou o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um artigo incluído no documento, e recordando “a responsabilidade histórica” do mundo desenvolvido no acúmulo de gases na atmosfera, contraponde à baixa emissão por pessoa no Brasil, produto do grande uso de geração hidrelétrica e de biocombustivies. Os exemplos de possíveis efeitos desastrosos são inúmeros principalmente na África e no sudeste asiático, onde se concentraria a maioria de centenas de milhões de novos famintos, doentes de malária e refugiados devido a secas, chuvas fora de época, inundações e agravamento de epidemias.

O informe do Pnud defende uma redução de 20%, até 2050, das emissões de gases que provocam o efeito estufa dos países em desenvolvimento, um quarto da proporção requerida às nações industriais. Mas, governos, como o brasileiro, não aceitam metas, argumentando o principio de responsabilidades diferenciadas. Entretanto, “não Brasil não é o mesmo que Bolívia ou Burundi”, também se devem contemplar as diferenças dentro do mundo em desenvolvimento, disse à IPS Rubens Born, coordenador da organização não-governamental brasileira Vitae Civilis. O Brasil deveria assumir compromissos “mensuráveis” de redução de suas emissões de gases, acrescentou.

Destacar a mudança climática como ameaça ao desenvolvimento humano é “oportuno” para que todos tratem o assunto com a gravidade que tem, e não de maneira burocrática’, afirmou Born. No entanto, discordou do elogio ao etanol brasileiro. Embora menos contaminante, “não muda o modelo de transporte individual”, criticou.

Mario Osava

Rio de Janeiro, 28/11/2007(IPS)

(IPS/Envolverde)

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