sábado, 8 de dezembro de 2007

O inexorável aquecimento

Por Abid Aslam, da IPS

Washington, 07/12/2007 – Se as nações mais industrializadas deixarem de emitir gases causadores do efeito estufa, de todo modo dentro de uma geração o planeta se verá dominado por uma severa mudança climática devido à contaminação provocada pelas nações pobres. É o que afirma o Centro para o Desenvolvimento Global, instituto de estudos com sede em Washington em um informe que coincide com a Conferência das Partes da Conveção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que começou segunda-feira e terminará no próximo dia 14, na ilha de Bali, na Indonésia.

De acordo com o Centro, dentro de 20 anos África, Ásia, América Latina, Caribe, Oriente Médio e as ilhas do Pacifico produzirão tanto dióxido de carbono quanto o emitido em todo o mundo em 1992, quando a comunidade internacional fez soar o alarme diante do aquecimento global na Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro. Portanto, é contraproducente concentrar a redução de emissões na América do Norte, Europa, no Japão, nas ex-republicas soviéticas, na Austrália e Nova Zelândia, afirmam os especialistas dessa instituição.

De acordo com o Protocolo de Kyoto (convênio assinado em 1997 e em vigor desde 2005), apenas 36 países muito industrializados - eram 38 antes que Austrália e Estados Unidos retirassem suas assinaturas - estão obrigados a reduzir um total de 5% de suas emissões de gases que causam o efeito estufa em relação às emissões de 1990, com prazo até 2012. Outros 137 países em desenvolvimento, entre eles importantes consumidores de energia como a China, ratificaram o tratado, mas não têm obrigações formais a respeito, além de controlar suas emissões e reportá-las.

“Inclusive, do ponto de vista do sul, nos concentrarmos exclusivamente nas fontes deste problema no Norte é um desvio perigoso”, disse o economista David Wheeler, principal autor do estudo e ex-pesquisador do Banco Mundial em matéria de desenvolvimento. “Só as emissões do sul são mais que suficientes para catalisar uma crise climática para o próprio sul”, afirmou. Mesmo assim, o estudo, intitulado “Outra verdade inconveniente”, não deve ser visto como uma desculpa para que as nações ricas mantenham o ritmo de emissão de gases causadores do efeito estufa, disse Nancy birdsall, presidente do Centro para o Desenvolvimento Global.

“Para evitar um desastre global compartilhado, os países ricos devem reduzir suas emissões rapidamente e ajudar as nações em desenvolvimento a se dedicar a um futuro de baixo carbono, ao mesmo tempo que perseguem as justas aspirações de uma vida melhor para seus habitantes”, acrescentou Birdsall. Os países do Sul reunidos na conferência de Bali disseram na quarta-feira que precisam de rápidas transferências de tecnologia para reduzir a contaminação e melhorar a eficiência energética, para melhorar a qualidade de vida de sua população sem prejudicar a atmosfera.

A Comissão de Meio Ambiente e Obras Públicas do Senado dos Estados Unidos aprovou esta semana um projeto de lei pelo qual este país deve reduzir em 70% suas emissões de gases causadores do efeito estufa, em relação a 2005, até 2050. O Grupo dos 77, integrado por 132 países em desenvolvimento mais a China, queixou-se que, em lugar de ajudar, as nações ricas esgrimem os direitos de autor e de propriedade intelectual para impedir a transferência de conhecimentos científicos que permitam reduzir as emissões em economias em expansão, como a chinesa. A ONU, o Banco Mundial e funcionários ocidentais alertaram que empresas privadas possuem boa parte da tecnologia em questão e necessitam de incentivos de mercado para venderem seus conhecimentos ao sul em desenvolvimento.

Os cientistas atribuem ao dióxido de carbono e a outros gases que provocam o efeito estufa a elevação da temperatura atmosférica e suas conseqüências cada vez mais freqüentes: secas, inundações, desaparecimento de costas e ilhas, desertificação e propagação de doenças tropicais em zonas temperadas. A queima de combustível fóssil, com petróleo, gás e carvão, é uma importante causa desta contaminação, bem como o desmatamento e a criação em nível industrial de animais.

Wheeler e o co-autor do estudo, Kevin Ummel, compilaram uma base de dados da Internet sobre contaminação com dióxido de carbono emitida por centrais elétricas e companhias em todo o mundo. A instalação mais contaminante, afirmar, fica em Taiwan, e a empresa com mais emissões encontra-se instalada na China continenta. Wheeler e Ummel calcularam tendências históricas separadas em matéria de emissões para dois grupos de países – os ricos do norte e os pobres do sul – usando novos dados sobre o período 1850-2005.

Em seguida, projetaram essas tendências no futuro próximo, usando dados do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), órgão científico ganhador do Nobel da Paz junto com Al Gore, ex-vice-presidente norte-americano transformado em ambientalista. Os pesquisadores concluíram que, até 2040, somente as emissões acumulativas de dióxido de carbono do sul pautarão a concentração atmosférica dessa base acima do registro atual de 387 partes por milhão. Para 2060, o nível superaria as 450 ppm, limite que o IPCC associa com conseqüências graves e irreversíveis.

Para o final do século, a concentração atmosférica correspondente ao Sul se aproximará de 600 ppm, muito acima do que o estudo, citando o IPCC, catalogou como “a zona de perigo extremo para a catastrófica mudança climática”. É possível, inclusive, que os ambientalistas subestimem o problema ao excluir as emissões de outros potentes gases causadores do efeito estufa, como o metano, e as contribuições adicionais de efeitos secundários do aquecimento global em curso.

A agenda da conferência em Bali se concentram em considerar um cronograma de negociações para reduções maiores das emissões para depois de 2012, data-limite do Protocolo de Kyoto. Todos os países industriais, menos Austrália e Estados Unidos, ratificaram esse tratado, que inclui uma disposição sobre fundos para ajudar as nações pobres a se adaptarem à mudança climática. Como se previa, as deliberações até agora foram marcadas pelo ressentimento em relação a Washington por sua negativa em assumir objetivos de redução de emissões específicos e obrigatórios. Os países ricos também estão acossados pelo financiamento.
Pagaram US$ 67 milhões a um fundo da ONU para ajudar as nações mais pobres a se adaptarem à mudança climática, disse na terça-feira a organização humanitária Oxfam Internacional, lembrando que essa quantia é “menos do que os norte-americanos gastam por mês com bronzeadores”. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/ IPS)

Nenhum comentário: