segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Expansão da ciência e tecnologia é maior no interior paulista

São Carlos, Campinas, Piracicaba, Bauru e Ribeirão Preto têm sozinhas mais mestres e doutores a cada 100 mil habitantes se comparados aos da capital. Nas cidades do entorno de Araraquara, há quatro vezes mais cientistas. O interior é responsável por um quarto da produção científica nacional e abocanha mais da metade dos financiamentos federais destinados ao Estado. Das universidades e dos institutos nesta região, sai o conhecimento que abastece e cria empresas tecnológicas. Três em cada quatro projetos de inovação aprovados pela Fapesp são de fábricas com sotaque caipira. Graças a esses números, São Paulo publica hoje tanto quanto Espanha, Austrália, Irlanda ou Canadá.

"A aprovação dos projetos é em função da demanda, o que indica uma vitalidade intensa do interior", diz o diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz. "O interior está bem articulado e competitivo em relação à capital", acrescenta Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os dois são cientistas, um de Campinas e o outro de Ribeirão Preto.

Inovação é a palavra da vez nas pesquisas acadêmicas do interior. Inventos práticos, necessários e alguns com cheiro de revolução. No Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, do Instituto de Física da USP São Carlos, um novo equipamento diagnostica tumores sem precisar de biópsia (o exame tradicional é doloroso e o resultado só sai em semanas). Um feixe de luz em contato com o órgão ou a pele diferencia um tecido normal de um doente. O aparelho já está em teste no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

Conhecimento

Com o mesmo princípio, surgem outros produtos de fototerapia dinâmica, como os semáforos à prova da falta de energia e o aparelho para detectar e tratar o HPV e alguns tipos de câncer. Por trás das invenções, está o dinâmico e versátil físico Vanderlei Salvador Bagnato e uma equipe de cem pesquisadores. Foram eles os primeiros latino-americanos a realizarem a condensação de Bose-Einstein. Um gás é esfriado, próximo do zero absoluto (0 Kelvin ou -273,15 graus Celsius), quando ocorre a condensação. Entender o que se passa nesse momento permitirá desvendar a natureza quântica da matéria.

"A sociedade me dá dinheiro para ver o átomo e tenho que mostrar para que serve isso. Serve para curar o câncer", explica Bagnato. Nos últimos seis anos, seu laboratório produziu 28 patentes e destas, 12 viraram produtos. Qualquer experimento tem de mirar em educação ou saúde, mesmo que leve tempo. Os LEDs usados no semáforo antiblecaute ficaram prontos após seis anos. Outros projetos iam sendo tocados juntos para satisfazer à demanda por publicação de artigos, um dos fatores de avaliação dos pesquisadores. "O País tem de dar valor ao risco científico, senão vamos estudar só o conhecido e seremos apêndices dos outros."

O físico Luís Alberto Vieira de Carvalho, de 37 anos, formado em São Carlos, com doutorado em Berkeley e pós-doutorado em Rochester, segue a linha do coordenador. Quer inovar naquilo que o Brasil não inova. Criou o campímetro portátil para exames de glaucoma nos rincões. O aparelho estrangeiro sai por R$ 80 mil. O nacional custa um décimo desse valor. Quando estudava no exterior, Carvalho trabalhou na produção de uma lente de contato customizada para a Bausch-Lomb (a empresa investia US$ 3 milhões por ano). No Brasil, faltam verbas. Assim, concentra-se na fabricação do Wave Front, aparelho para diagnosticar em alta resolução defeitos da visão. Será o primeiro da América Latina.

O Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto, coordenado pelo médico Marco Antonio Zago, entrou na corrida mundial para deter o domínio das técnicas de manipulação das células-tronco. Quanto mais se souber como elas se diferenciam em órgãos do corpo humano e como são ativadas, maiores as chances de inúmeras doenças serem tratadas. Ou evitadas. As células-tronco mesenquimais, por exemplo, têm capacidade imunológica. Saber como agem pode evitar a rejeição de transplantes.

Em abril, o imunologista Júlio Cesar Voltarelli, do CTC, encheu de esperanças pacientes de diabete tipo 1 que são obrigados a injetar altas doses de insulina. Pela técnica, uma quimioterapia desliga o sistema imune do paciente, que por algum motivo ataca as células do pâncreas, produtoras de insulina. Células-tronco do próprio paciente são então reinseridas nele para recompor o sistema de defesa. O tratamento, já realizado com sucesso em uma dezena de adultos, deverá ser feito com adolescentes e para outras enfermidades, como a esclerose múltipla. Voltarelli, contudo, já reiterou que é cedo para afirmar que se trata da cura.

Mas não é só de futurologia, riscos e esperanças que vive a ciência e tecnologia do interior paulista. A bióloga Aparecida Maria Fortes lidera uma pesquisa em Ribeirão Preto para produzir o fator 8 e o 9 recombinantes, utilizados no tratamento de mais de 7 mil hemofílicos. Hoje, o Brasil tem de exportar o plasma sanguíneo para a França, onde é purificado e liofilizado (seco) para ser então importado. O problema, além do custo de R$ 100 milhões, é que vai e volta sangue contaminado. Por engenharia genética, o fator 8 e o 9 são livres desse risco.

"Já produzimos em plaquinhas, na cultura in vitro, mas queremos pensar no nível de biorreatores e depois no de escala industrial", afirma Aparecida. A previsão é de que em um ou dois anos o Brasil fabrique o produto. Já há interesse da indústria farmacêutica. A pesquisa, que recebe apoio da Finep, permitiu à equipe do CTC dominar a técnica que pode ser usada em outras moléculas para fins terapêuticos, como o fator de crescimento.

Quebra-cabeças

No Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural (CBME), também na USP São Carlos, uma equipe multidisciplinar luta contra doenças tropicais, como leishmaniose, malária e esquistossomose. Ao isolarem a enzima GAPDH do Trypanosoma cruzi, o vetor da doença de Chagas, os pesquisadores detectaram a estrutura da proteína e, a partir dela, poderão procurar pequenas moléculas (potenciais remédios) que se encaixarão nela. Como num quebra-cabeça. "Cinco ou seis anos atrás, saíamos do nada. Hoje, um laboratório como o nosso realiza um forte desenvolvimento comparável aos melhores do mundo", diz Adriano Andricopulo, de 35 anos, que fez pós-doutorado em Michigan.

O Instituto de Física da USP São Carlos capta R$ 10 milhões por ano, 40% desse total vindo de indústrias. Foi crescendo na base do puxadinho, com corredores virando salas para acomodar mais pesquisas. "Nosso grande salto ocorreu nos anos 80, com a expansão do quadro de professores, cuja regra era que todos fossem para o exterior fazer doutorado", explica o diretor Glaucius Oliva, também coordenador do CBME.

Os três laboratórios acima fazem parte do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fapesp. São 11 no total, 5 no interior paulista. Criados em 2000, eles desenvolvem pesquisas na chamada fronteira do conhecimento, viabilizam parcerias com empresas e governos para aplicação das tecnologias e, o que é raro na academia, dividem as descobertas com a população. Este último envolve desde a criação de jornais e programas de TV até a inclusão de jovens estudantes no desenvolvimento científico. É a ciência semeando ciência.
(Fonte: Eduardo Nunomura / Estadao.com.br)

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