terça-feira, 12 de junho de 2007

7 megassoluções para um megaproblema

O aquecimento global é estudado há 25 anos – mas pode-se dizer que 2006 foi o ano em que a humanidade tomou consciência de que a crise ambiental é real e seus efeitos, imediatos. Novas pesquisas científicas dissiparam a mínima dúvida de que o aumento repentino da temperatura planetária se deve à ação humana, com escassa contribuição de qualquer outra influência da natureza. Até os ecocéticos aceitam agora a idéia assustadora de que o tempo disponível para evitar a catástrofe global está perigosamente curto. Não há mesmo como ignorar o problema. Como uma praga apocalíptica, as mudanças climáticas já afetam o cotidiano de bilhões de pessoas de forma impossível de ser ignorada. Uma prévia do relatório anual da Organização Meteorológica Mundial, órgão da ONU que avalia o clima na Terra, divulgada em dezembro, mostra que 2006 foi marcado por uma série de recordes sombrios no terreno das alterações climáticas e das catástrofes naturais.

Pela primeira vez desde que começaram as medições, no século XIX, o termômetro chegou aos 40 graus em diversas regiões temperadas da Europa e dos Estados Unidos. A Somália foi castigada pelas enchentes mais devastadoras do último meio século. A calota gelada do Ártico ficou 60 400 quilômetros quadrados menor – ou seja, uma área equivalente a duas vezes o estado de Alagoas virou água e ajudou a elevar o nível dos oceanos. Na China, segundo o relatório, a pior temporada de ciclones em uma década resultou em 1 000 mortes e 10 bilhões de dólares em prejuízos. Na Austrália, o décimo ano seguido de seca impiedosa agravou o processo de desertificação do solo e desencadeou incêndios florestais com virulência nunca vista. Sabe-se que o relatório final da Organização Meteorológica Mundial, a ser divulgado em fevereiro, prevê o desaparecimento total do gelo no Ártico durante os meses de verão já a partir de 2040. Isso pode significar a extinção do urso-polar em seu habitat.

Todos esses transtornos são decorrência do aumento de apenas 1 grau na temperatura média do planeta nos últimos 100 anos. Estudos estimam que, mantido o ritmo atual, a temperatura média da Terra subirá entre 2 e 4,5 graus até 2050. O debate científico não é mais sobre em que momento dos próximos cinqüenta anos o aquecimento global se abaterá sobre nosso pobre planeta, mas sobre como escapar da arapuca que nós próprios armamos para as futuras gerações. É universalmente aceito que, para evitar a piora da situação, seria preciso parar de bombear na atmosfera dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. Esses gases, resultantes da atividade humana, formam uma espécie de cobertor em torno do planeta, impedindo que a radiação solar, refletida pela superfície em forma de calor, retorne ao espaço. É o chamado efeito estufa, e a ele cabe a responsabilidade maior pelo aumento da temperatura global.

Diante desse quadro sombrio, ganha impulso entre cientistas e políticos a idéia de que ações pontuais, por mais bem-intencionadas, podem não ser suficientes para estancar o aquecimento gradual da Terra. Por sua magnitude, problemas globais exigem soluções também globais. Ou seja, intervir nos processos que causam o aquecimento do planeta é uma tarefa demasiadamente complexa para ser resolvida com o esforço individual das nações. Ainda mais quando se sabe que nenhum país conseguirá diminuir drasticamente as emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal vilão do efeito estufa. Isso significaria frear o ritmo de suas indústrias e usinas termelétricas, acarretando enormes prejuízos à economia. Os cientistas que defendem as soluções globais para o aquecimento da Terra avaliam que só com idéias que envolvem um esforço mundial se poderá reduzir o problema.

Vários megaprojetos para amenizar o efeito estufa saíram de universidades e centros de pesquisa nos últimos anos. VEJA selecionou as sete soluções de maior viabilidade técnica e que tiveram melhor repercussão na comunidade acadêmica. São abordagens radicais, mas podem ser a única saída para uma situação de emergência. Cinco delas são fruto de uma corrente científica relativamente recente chamada geoengenharia. Os adeptos miram num cenário em que sejam necessárias medidas urgentes para diminuir a temperatura da Terra rapidamente e interromper, ou evitar, seqüências de catástrofes. A geoengenharia parte de um princípio simples: para deter o efeito estufa, é preciso fazer com que menos raios solares cheguem à Terra. Assim, compensa-se o calor extra provocado pela "tampa" de CO2 e outros gases tóxicos lançados na atmosfera pela ação humana.

Os cientistas alinhados com a geoengenharia admitem que seus projetos para "esfriar" a Terra parecem fantasiosos e radicais por suas dimensões, mas foram todos concebidos para ser exeqüíveis. Em caso de emergência climática, a aplicação de um ou mais desses projetos pode ser a única forma de salvar a humanidade e o planeta que a abriga. "Se dobrarmos a quantidade de CO2 em relação à da era pré-industrial e não tivermos o problema sob controle, talvez seja preciso lançar mão dessas soluções. É necessário ter essa carta na manga para o caso de uma crise planetária", disse a VEJA John Shepherd, diretor do Centro Tyndall, da Inglaterra, instituto que pesquisa mudanças climáticas.

A seguir, as sete soluções radicais para o efeito estufa.

ARMAZENAR CO2 SOB O SOLO, LONGE DO EFEITO ESTUFA

Por esse projeto, atualmente em fase de testes na Noruega e nos Estados Unidos, a fumaça produzida por indústrias e usinas termelétricas é filtrada por um equipamento que separa o CO2 dos outros gases. A seguir, o dióxido de carbono é comprimido e levado em tanques, ou por um sistema de canalização, até um local de armazenamento. Finalmente, o gás é injetado no solo, a 2 quilômetros de profundidade, ou depositado em antigos poços de petróleo ou de gás natural já esgotados. Na próxima década, outros vinte campos de seqüestro de CO2 – nome técnico do processo – entrarão em funcionamento em caráter experimental no mundo. Recentemente, um grupo de pesquisadores da Universidade Harvard propôs o armazenamento de CO2 em sedimentos abaixo da superfície do oceano, a aproximadamente 3 000 metros da superfície. Segundo eles, a combinação de baixa temperatura com alta pressão transformaria o dióxido de carbono em um líquido mais denso do que a água do mar, o que afastaria o risco de o gás voltar à superfície. Calcula-se que a capacidade da crosta da Terra de armazenar CO2 seja de aproximadamente 10 trilhões de toneladas, o equivalente a 400 anos de emissões nos níveis atuais.

UM PAINEL DE LENTES REFLEXIVAS NO ESPAÇO

Patrocinado pelo Institute for Advanced Concepts, um braço da Nasa, a agência espacial americana, o astrônomo americano Roger Angel, da Universidade do Arizona, desenvolveu o projeto de colocar no espaço trilhões de pequenos discos espelhados para desviar 2% dos raios solares que hoje alcançam a Terra. Os discos, com 60 centímetros de diâmetro e equipados com três pequenos painéis solares, formariam uma gigantesca nuvem de 100 000 quilômetros de extensão no ponto conhecido pelos astrônomos como L1, a 1,6 milhão de quilômetros da Terra. Eles seriam levados ao espaço por 20 milhões de pequenas espaçonaves lançadas de pontos altos do planeta – provavelmente os Andes –, movidas por energia eletromagnética em vez de combustível. Cada espaçonave transportaria 1 milhão de discos por viagem e a nuvem estaria completa em dez anos. Os custos para os cofres do planeta seriam de 3 trilhões de dólares. "Parece muito dinheiro", disse Roger Angel a VEJA. "Mas isso significa 0,5% do PIB do mundo durante 25 anos."

COLOCAR EM ORBITA UM GIGANTESCO GUARDA-SOL

Antes de o astrônomo Roger Angel desenvolver sua idéia das lentes reflexivas descrita acima, os físicos americanos Lowell Wood e Edward Teller, do Lawrence Livermore National Laboratory, na Califórnia, propuseram um projeto semelhante para diminuir a incidência de raios solares na Terra. O conceito desenvolvido pela dupla é uma espécie de gigantesco guarda-sol que ficaria no espaço e conseguiria bloquear algo entre 1% e 3% da luz solar. Teller, morto em 2003, foi, para quem não se lembra, um dos cientistas que desenvolveram a bomba atômica, nos anos 40, e é considerado o pai da bomba de hidrogênio. Ele acreditava ser muito difícil conseguir que a humanidade cooperasse para o bem comum, sacrificando a produtividade das indústrias ou o bem-estar individual para diminuir o aquecimento global. Por isso, dizia, soluções como a do escudo espacial talvez fossem necessárias. Segundo Wood e Teller, a diminuição de 1% a 3% na incidência de raios solares ainda geraria para o planeta uma economia de 1 trilhão de dólares por ano, apenas com o aumento da produtividade na agricultura e com a redução do número de casos de câncer de pele causados por raios ultravioleta. O custo para manter o escudo no espaço é calculado em 1 bilhão de dólares anuais.

NUVENS DE ENXOFRE NA ATMOSFERA

O projeto de resfriamento da Terra proposto pelo meteorologista holandês Paul J. Crutzen, do Instituto Max Planck, na Alemanha, é espalhar dióxido de enxofre (SO2), em forma de gás, a uma altitude de 25 quilômetros do solo terrestre. A substância seria levada por balões. Lá, o SO2 se oxidaria, gerando ácido sulfúrico (também em forma de gás), que logo se agruparia em partículas. Essas partículas desceriam para a troposfera (a 11 quilômetros de altitude) e se espalhariam pelas nuvens com a ajuda do vento. As partículas refletiriam uma fração da luz solar de volta para o espaço, reduzindo a temperatura na Terra. Crutzen, ganhador do Prêmio Nobel por demonstrar como alguns compostos químicos afetam a camada de ozônio da atmosfera, baseia a idéia nos efeitos das erupções vulcânicas. Em 1991, a erupção do Monte Pinatubo, nas Filipinas, espalhou pela estratosfera 20 milhões de toneladas de SO2. No ano seguinte, os cientistas constataram que a temperatura média na superfície da Terra se reduziu em 0,5 grau e atribuíram o fenômeno à erupção. Em contrapartida, verificaram-se danos significativos para a camada de ozônio após o vulcão entrar em atividade. Crutzen acredita que é necessário pesquisar se esses danos foram causados pelo enxofre ou por outras substâncias expelidas pelo vulcão. No segundo caso, seu projeto de combate ao efeito estufa estaria validado. "Se a temperatura da Terra aumentar mais de 0,2 grau por década, as gerações futuras talvez precisem colocar em prática projetos ambiciosos de combate ao aquecimento global", disse Paul Crutzen a VEJA.

PULVERIZAR AS NUVENS COM ÁGUA SALGADA

A idéia do físico John Latham, do National Center for Atmospheric Research, dos Estados Unidos, é aumentar o albedo – a fração de luz que um corpo é capaz de refletir – em um tipo de nuvem chamada estrato-cúmulo que cobre quase um terço da superfície dos oceanos. Ainda na década de 70, os cientistas descobriram que uma nuvem formada por um elevado número de pequenas gotas de água reflete mais luz solar do que outra formada por gotas grandes. Para aumentar o albedo das nuvens estratos-cúmulo, Latham propõe pulverizar no ar, próximo à superfície dos oceanos, minúsculas gotas de água salgada retirada do próprio mar. Misturadas às nuvens, essas gotículas multiplicariam a capacidade das nuvens de refletir e devolver ao espaço parte dos raios solares que as atingem. O aumento do albedo poderia ser facilmente medido com a ajuda de satélites. A pulverização da água salgada no ar seria feita por pequenas embarcações. O sistema de pulverização das gotas ainda não foi definido. Latham avalia o uso de uma tecnologia semelhante à dos nebulizadores utilizados em medicamentos para asma. Calcula-se que seriam necessárias 500 embarcações – ao custo de 2 milhões de dólares cada uma – para realizar o trabalho, que precisaria ser contínuo.

ADICIONAR FERRO AOS OCEANOS PARA ESTIMULAR OS MICROORGANISMOS

Fitoplâncton é o conjunto de algas de tamanho microscópico que vivem dispersas nas águas dos oceanos. Assim como as plantas, elas também realizam a fotossíntese, usando a luz solar, o CO2 e a água para sobreviver. Quando morre, o fitoplâncton afunda até o solo oceânico e ali permanece por séculos, com parte do CO2 que captou. Estudos científicos sugerem que, nas últimas quatro eras glaciais, os oceanos no Hemisfério Sul continham fitoplâncton em abundância. Isso se deu, provavelmente, porque antes das eras glaciais os oceanos teriam recebido enormes quantidades de poeira rica em ferro, vinda de desertos em expansão. Para simular condições semelhantes às das eras glaciais, em 2002 um grupo de pesquisadores americanos liderados pelo cientista Kenneth Coale, do Moss Landing Marine Laboratories (USA), espalhou grandes quantidades de ferro em duas áreas próximas ao Pólo Sul. Como resultado, a concentração de fitoplâncton nesses locais aumentou muito. Embora as duas áreas fertilizadas tivessem apenas 15 quilômetros de extensão, o fitoplâncton se espalhou por milhares de quilômetros e se tornou visível até por satélite. Depois disso, os estudos constataram que cada uma das duas proliferações de fitoplâncton consumiu 30 000 toneladas de CO2 – o equivalente à emissão de 6 000 automóveis em um ano. A fertilização dos oceanos vem sendo testada em pequena escala desde a década de 80. Em todos os testes, parte do ferro adicionado à água se dispersou com as correntes marítimas e a proliferação do fitoplâncton foi temporária. Por enquanto, os cientistas afirmam não haver garantia de que, no futuro, o CO2 retido no solo marinho não seria liberado de volta à atmosfera. Tampouco se conhece o impacto ambiental que a adição de ferro aos oceanos teria a longo prazo.

EM LUGAR DAS TERMELÉTRICAS, NOVAS USINAS NUCLEARES

A queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) em termelétricas, para gerar energia, é a atividade humana que mais produz dióxido de carbono – 22% do total lançado na atmosfera. A energia nuclear, que já foi estigmatizada como suja e perigosa, hoje foi reabilitada e até os ambientalistas a vêem com melhores olhos. Um dos mais famosos deles, o inglês James Lovelock, da Universidade Oxford, defende a idéia de que a energia nuclear se torne a base da matriz energética mundial no futuro. Na China, nada menos que trinta reatores nucleares se encontram em construção. Em 2007, os Estados Unidos vão erguer sua primeira usina nuclear desde 1979. O problema da energia nuclear continua sendo o que fazer com o lixo atômico produzido pelas usinas. Esse material pode permanecer radioativo por centenas de milhares de anos. Costuma ser selado em recipientes de metal ou concreto e enterrado, mas esse recurso é considerado apenas provisório. "Estamos literalmente enterrando o problema, na esperança de que as novas gerações desenvolvam a tecnologia necessária para processar lixo nuclear", disse a VEJA o engenheiro americano Alan McDonald, da Agência Internacional de Energia Atômica. O custo previsto para a construção de 300 usinas nucleares: 480 bilhões de dólares.

As soluções globais foram projetadas para, teoricamente, entrar em cena caso se chegue ao que os cientistas chamam de tipping point – o momento em que se torna impossível reverter a dinâmica interna da natureza alterada pela ação humana. Infelizmente, talvez se tenha de recorrer às megamedidas de emergência antes de atingir esse ponto-limite – para salvar não o planeta, mas a economia das nações. O inglês Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial e autor de um estudo recente encomendado pelo governo de seu país, avalia que, se o aquecimento global continuar na atual marcha, dentro de algumas décadas o PIB mundial terá encolhido entre 5% e 20% em decorrência de secas, inundações e furacões cada vez mais freqüentes.

O físico Robert Socolow e o ecologista Stephen Pacala, ambos pesquisadores da Universidade de Princeton, publicaram recentemente um estudo sobre o enorme desafio que representa combinar o crescimento das economias com a queda nas emissões de CO2 pelas indústrias e termelétricas. A dupla também prevê um cenário catastrófico caso as emissões prossigam no ritmo atual, mas o projeta para 2050. Eles fazem a seguinte conta. Nas últimas três décadas, o PIB mundial cresceu, em média, ao ritmo de 3% ao ano e as emissões de CO2, ao ritmo anual de 1%. Para evitar que o aquecimento global cause estragos na economia dos países, seria necessário que as emissões diminuíssem no mesmo ritmo do crescimento do PIB mundial, 3% ao ano. Hoje, esse índice parece uma miragem.

Revista Veja( Ed. 1989, 30/12/2006.)

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