quinta-feira, 26 de abril de 2007

Zero de carbono

Por que o Brasil perdeu espaço no bilionário mercado de projetos para redução da emissão de gases nocivos à atmosfera


por rosenildo gomes ferreira

A parte brasileira da FLORESTA AMAZÔNICA Amazônica – que se espalha por um raio de 5,1 milhões de quilômetros quadrados – é uma das maiores reservas verdes do mundo. Lá, estão armazenados 30% de toda a água doce do planeta. Com esse “currículo” seria natural que o País levasse a melhor na disputa pela atração de projetos capazes de reduzir a emissão de gases nocivos à atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2), responsáveis pelo efeito estufa, certo? Infelizmente, não é o que acontece. “O Brasil saiu na frente nesta corrida mas perdeu espaço para a China e a Índia”, contou à DINHEIRO Pedro Moura Costa, sócio da EcoSecurities. É que não adianta apenas ter abundância de recursos naturais. O que conta são projetos capazes de reduzir a emissão de gases. Costa fala com conhecimento de causa já que sua empresa, sediada em Oxford (Inglaterra), lidera o chamado mercado de crédito de carbono. “Em 2005, o Brasil representava 30% de nosso acervo e hoje essa fatia caiu à metade”, lamenta Costa. A carteira da consultoria é composta de 350 projetos apresentados por 37 países emergentes. No total, esses programas têm capacidade de “seqüestrar” da atmosfera o equivalente a 160 milhões de toneladas de CO2. É o suficiente para neutralizar as emissões da frota brasileira de automóveis por um período de três anos. Ou então todos os gases nocivos gerados anualmente pelas indústrias e os habitantes da Bélgica. Se vendidos pela cotação atual (US$ 10) renderiam US$ 1,6 bilhões. “Nosso portfólio é maior que a soma de todos as demais corretores da Bolsa Européia de Carbono”, gaba-se o sócio da EcoSecurities.


BM&F SE UNE AO BANCO MUNDIAL
Lançam um pregão de MDL, título usado para financiar projetos sustentáveis

E a vantagem de Índia e China, por incrível que pareça, está na “baixa qualidade” ambiental de suas matrizes energéticas, na qual se destaca o carvão – elemento altamente poluente. Com isso, a conversão de usinas à base de carvão em plantas que queimam restos de árvores e outros tipo de biomassa, por exemplo, geram créditos de carbono (MDL). Pior para o Brasil, cuja matriz energética tem por base a água, um insumo limpo e renovável. Especialistas ouvidos pela DINHEIRO apontam outros entraves ao crescimento do Brasil neste segmento. Um deles, diz Costa, é a lentidão do governo na aprovação dos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A sigla representa a “moeda”, criada pelo Protocolo de Kyoto, que permite aos países desenvolvidos compensarem a geração de gases que causam o efeito estufa, comprando créditos de redução de emissões em nações em desenvolvimento. “O governo deveria assumir esta bandeira e sensibilizar os empresários a buscarem este mecanismo para bancar seus planos de expansão em bases sustentáveis”, critica Odivan Cargnim, diretor financeiro e administrativo da Celulose Irani.


CELULOSE IRANI
Geração de energia a partir da biomassa já rende dividendos.

A fabricante de papel, papelão e móveis virou um caso de sucesso global em 2005 ao converter os restos florestais (cascas de árvores, pedaços de madeira, galhos, etc.) de sua unidade de Vargem Bonita (SC) em energia. Antes, as caldeiras da empresa consumiam óleo. A troca do combustível fóssil pelo renovável custou R$ 23 milhões. O gasto, contudo, está sendo amortizado com a venda de MDL para grandes corporações (como a Shell), o que já rendeu à Irani US$ 1,3 milhão. “Poderemos negociar o equivalente a 175 mil toneladas de CO2/ano por um prazo de até 14 anos”, conta Cargnim. Além do ganho financeiro/ambiental, o executivo destaca os benefícios resultantes da troca da matriz energética. “Hoje, nós geramos o equivalente a 81% da energia que necessitamos”, diz. A Irani também está usando o MDL para viabilizar a construção de uma estação de tratamento de efluentes, capaz de “seqüestrar” 55 mil toneladas/ano de CO2.

Desmatamento e queimadas


COSTA, da Ecosecurities
Projetos em carteira somam US$ 1,6 bilhão.

O caso da companhia catarinense é emblemático mas ainda é uma exceção. Empresários e ecologistas também reclamam da estratégia dos negociadores brasileiros, que manobraram para que a preservação de florestas não fosse incluída no rol de ações elegíveis para a venda de MDL. Um erro grave porque, de acordo com Costa da EcoSecurities, 75% das emissões de gases do País são provenientes de queimadas. Cálculos feitos pelo biólogo Paulo Moutinho, coordenador do programa de mudanças climáticas do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM), indicam que o carbono seqüestrado pela floresta amazônica poderia render cerca de US$ 160 bilhões. Trata-se do dobro de toda a demanda de MDL estimada para até 2012, prazo de validade do protocolo de Kyoto. Recursos, sem dúvida, importantes para o desenvolvimento sustentável daquela região. À “cochilada” do governo soma-se a distância que separa o País das praças onde são negociados os MDL: Londres e Chicago (EUA). Além disso, ainda influi negativamente na competitividade do Brasil os gastos envolvidos na operação de registro de projetos na Organização das Nações Unidas (ONU), responsável pela autorização para emissão de MDL. Um processo deste tipo custa entre US$ 100 mil e US$ 500 mil.

É neste ponto que entra a Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F), situada em São Paulo. A entidade está fechando uma parceria com o Banco Mundial (Bird) para implantar um sistema de leilão de MDL. O primeiro passo neste sentido, de acordo com Guilherme Fagundes, chefe do departamento de fomento da BM&F, foi dado em 2005 com a criação do Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões (MBRE). Ele funciona como uma espécie de banco de dados no qual estão catalogados os projetos brasileiros que se enquadram nas regras do Protocolo de Kyoto. O acordo com o Bird garantirá, ainda, dinheiro para o treinamento de técnicos e consultores nesta modalidade, além da divulgação deste mecanismo junto aos empresários. “A realização de leilões no País garantiria o acesso de companhias de médio porte a recursos para adoção de tecnologias limpas”, acredita Fagundes. A natureza, é claro, agradece.

Isto É Dinheiro

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