quarta-feira, 11 de abril de 2007

O exército americano estuda as repercussões geoestratégicas do aquecimento climático

Um colóquio aponta que as forças armadas precisam se preparar para novos desafios, como a multiplicação dos conflitos pela água

Hervé Kempf
Enviado especial a Chapel Hill (Estados Unidos)


Enquanto o Grupo internacional de especialistas dedicado à evolução do clima (Giec) está reunido até 6 de abril em Bruxelas para dar os retoques finais no seu relatório sobre as conseqüências do aquecimento climático, este fenômeno deixou de ser um assunto da alçada exclusiva dos cientistas: ele interessa também aos militares, e principalmente aos militares americanos. De fato, o aquecimento do planeta está se tornando uma componente essencial da segurança dos Estados Unidos e deverá ter efeitos da maior importância sobre a evolução da geoestratégia nas próximas décadas.

"Nós deveremos passar progressivamente da guerra contra o terrorismo para o novo conceito de segurança sustentável", resume John Ackerman, da Air Command and Staff College (Escola de Comando da Força Aérea e do Estado-maior), da US Air Force. Ele apresentou esta análise durante um colóquio organizado nos dias 30 e 31 de março pelo Triangle Institute for Security Studies (Instituto Triangle para Estudos sobre Segurança - Tiss), em Chapel Hill (Carolina do Norte), com o objetivo de explorar os novos desafios estratégicos decorrentes da mudança climática.

A primeira constatação diz respeito à necessidade de se levar em conta novos fatores de desestabilização: secas que atingem um número crescente de países, epidemias ou disseminações de doenças tropicais (malária, cólera, esquistossomose), crises da água, eventos meteorológicos extremos. Esses fenômenos deverão se multiplicar e motivar intervenções militares, principalmente em casos de crises humanitárias. Vários participantes também sublinharam que é preciso prever, ao menos a título de hipótese, a ocorrência de mudanças abruptas do clima.

Mais precisamente, foi abordada a maneira com que o aquecimento poderia provocar mudanças regionais. A crescente raridade da água no subcontinente indiano poderia comprometer a sua estabilidade - uma vez que a Índia tentaria garantir para si os recursos hídricos controlados ou utilizados pelos seus vizinhos. O mesmo poderia acontecer na Ásia Central ou no Oriente Médio. A abertura do oceano Ártico, uma vez liberado da banquisa, cria uma nova rota marítima, e, portanto, um valioso alvo estratégico capaz de suscitar disputas pelo seu controle.

A África, que detém muitas reservas petrolíferas, também será atingida pela mudança climática. Ora, conforme constata Robin Dorff, do grupo de reflexão Creative Associates, esses fenômenos estão ocorrendo no momento em que "o principal problema estratégico dos Estados Unidos no início do século 21 é a inoperância e a falta de legitimidade e de governança de muitos Estados".

Além do mais, os Estados Unidos deverão fazer frente a migrações maciças. De fato, conforme sublinhou Nazli Choucri, do Massachusetts Institute of Technology, "a mudança climática imporá uma carga desproporcional aos pobres, e reforçará as clivagens sociais e a marginalização".

Perigo comum

Nem tudo nesse panorama é sombrio, uma vez que a mudança climática poderia apaziguar certas tensões, incentivando uma cooperação frente ao perigo comum: "A meta de fazer da Índia e da China nações amigas em vez de ameaças dependerá daquilo que nós faremos em relação à energia e ao meio-ambiente", comentou um general que não quis que o seu nome fosse divulgado.

Como poderiam as forças armadas americanas se preparar frente a esses desafios? No curto prazo, elas devem estudar três mudanças, resumiu Thomas Morehouse, do Institute for Defense Analysis (Instituto de análises para assuntos de defesa): "Se preparar para muito mais operações humanitárias e de manutenção da paz; adaptar as infra-estruturas costeiras; elaborar uma estrutura energética mais eficiente". Este último ponto não é anedótico: o exército americano é oprincipal consumidor mundial de energia, a qual lhe custa cerca de US$ 11 bilhões (R$ 22,4 bilhões) por ano. Isso constitui um obstáculo no quadro das suas operações: "No campo de batalha, o peso em toneladas transportadas é constituído pelo combustível na proporção de 70%".

As metas em jogo são tão importantes que é preciso imaginar um novo quadro estratégico. É o que proporá dentro dos próximos dias um relatório do Center for Naval Analysis (Centro de análises navais), uma instituição independente fundada em 1942 em margem do Exército e animada por oficiais aposentados: "A mudança climática é uma realidade, e o país assim como o exército precisam se preparar para as suas conseqüências", explica um dos seus autores, que prefere ficar no anonimato. Isso não estaria em contradição com a política atual da administração Bush? "O exército não está a serviço de uma administração em particular", responde ele, "E sim a serviço do país".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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