sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Clima: outro ano de El Niño

Por Gustavo Capdevila, da IPS

Genebra, 20/08/2009 – O fenômeno meteorológico de El Niño, temível pelas sequelas devastadoras que deixaram algumas de suas aparições em grande parte do mundo, sobretudo em 1997, está de volta, embora desta vez se apresente “de fraco a moderado”, disse a agência especializada da Organização das Nações Unidas. A recém-chegada ameaça diminui o vigor das monções, os ventos úmidos que a cada ano refrescam toda a Ásia do sul, estendem a seca pelas planícies australianas ou despejam novos dilúvios sobre partes da América Latina, há 12 anos.

O especialista da Organização Meteorológica Mundial (IOMM), Rupa Kumar Kolli, disse que El Niño/Oscilação do Sul (ENOS) ficou claramente estabelecido entre junho e julho, embora informes de alguns serviços meteorológicos nacionais já em maio dessem o fenômeno como consolidado.

As previsões adiantam que o fenômeno se prolongará até o final do ano e com probabilidade também durante o primeiro trimestre de 2010, até onde chegam as previsões científicas. El Nino, fase quente da ENOS, ganha corpo quando aumenta a temperatura superficial da água nas áreas oriental e central do Pacífico equatorial. Esse aquecimento das águas da maior bacia oceânica do planeta, somado a outros padrões de circulação atmosférica de grande escala, causa significativos efeitos climáticos regionais observados em grande parte do mundo.

Kolli insiste que o El Niño não é o único fator determinante da destruição de infraestruturas, cultivos e gado. Sempre atua associado a outros fenômenos também desoladores. Mas, do ponto de vista climatológico, El Niño associa-se com o enfraquecimento das monções nos trópicos, em particular na região da Ásia meridional, disse o cientista da Oriente Médio, instituição com sede nesta cidade suíça e pertencente ao sistema da ONU. Na verdade, a informação disponível confirma que a Ásia meridional já enfrenta intensa seca devido à atividade muito fraca da atual temporada de monções, disse Kolli.

Entretanto, as monções seguem padrões estacionais próprios, que são independentes de El Niño. Na Ásia do sul esses ventos predominam entre junho e setembro, com um comportamento bastante estável que não muda de ano para ano. A intensidade do El Niño muitas vezes não tem relação com o grau de severidade das secas, com ocorre atualmente nessa região asiática. Assim, o episodio de El Niño até agora mais potente, de 1997, não teve efeito algum na monção desse ano na Ásia meridional, que foi absolutamente normal, ressaltou o especialista da Oriente Médio.

Com relação à África, El Niño deixa habitualmente suas marcas na região oriental do continente. A maioria das consequências do fenômeno se registra nas zonas tropicais, recordou. Tampouco ficam livres dos efeitos do El Niño outras regiões situadas em altas latitudes. Mas, de um ponto de vista estritamente climatológico, as consequências do El Niño na Europa são fortes. Quanto à América Latina, é provável que desta vez o fenômeno não cause os prejuízos que deixou em 1997 porque não apresenta as mesmas características de intensidade daquele ano. Nessa ocasião, as condições foram severas não apenas nos países próximos às águas orientais do Pacífico equatorial, mas também chegaram fortes até as regiões da Indonésia e Austrália, lembrou Kolli. Porém, os efeitos foram mínimos ou marginais no sul da Ásia, acrescentou.

De todo modo, os países da América Latina deram sinais de se manterem alertas diante do reaparecimento do fenômeno. O ministro da Justiça do Peru, Auerelio Pastor Valdivieso, disse no começo deste mês em Genebra que seu país se prepara para receber El Niño com medidas de prevenção. O ministro fez essa afirmação no Comitê da ONU sobre a eliminação da Discriminação Racial, órgão integrado por especialistas independentes que se preocupa com a defesa de minorias raciais, como os povos indígenas do Peru, quando ocorrem desastres naturais como os causados por El Niño.

Kolli destacou um lado positivo do El Niño. As previsões indicam que este ano, e devido à presença do fenômeno, será mais fraca a temporada de furacões que nascem no oceano Atlântico equatorial e se deslocam enfurecidos rumo ao Caribe e à América do Norte.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos já lançou um aviso sobre esse enfraquecimento, disse o especialista. Assim como El Niño nasce quando sobe a temperatura da superfície central e oriental do Pacífico equatorial, com o esfriamento dessas águias abaixo do normal aparece La Nina, fase fria do ENOS, que em algumas regiões produz os efeitos opostos. Também há períodos neutros, quando as temperaturas se mantêm em níveis normais, como o que acaba de concluir com a consolidação de El Niño.

Kolly destacou que no momento não há dados sólidos sobre o que ocorrerá depois do primeiro trimestre de 2010, quando El Niño poderá continuar, reverter o fenômeno para as condições de La Nina ou voltar à mesma situação neutra do começo deste ano e final de 2008. Os registros históricos demonstram que há 25% de possibilidades de ocorrerem El Niño ou La Nina, e 50% de se estabelecer um sistema neutro. Em termos de frequência, tanto El Niño como La Nina podem apresentar-se com intervalos de dois a cinco anos. A última avaliação da Oriente Médio indicava que havia 50% de probabilidades do estabelecimento de El Niño, como ocorreu.

Os dados dos cientistas remontam a mais de 200 ou 300 anos, disse Kolli. Do exame dessas informações surge que não há um aumento perceptível na freqüência desses eventos, que às vezes podem chegar a se ausentar por até sete anos. Assim, a frequência média se estende de dois a cinco anos. Por fim, Kolli disse que os cientistas deduzem que não há evidências concludentes de um vínculo entre o aquecimento global e o ENOS em termos de frequência ou intensidade.


(IPS/Envolverde)

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