terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Conversa morna até aqui em Poznan

Por Leticia Freire, do Mercado Ético

Nem mesmo os dados alarmantes do IPCC (veja detalhes abaixo), sobre as conseqüências das alterações no clima global, aqueceu o ritmo de acordos em Poznan, Polônia. A primeira semana da 14ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, UNFCCC, foi marcada por baixas temperaturas. Durante a primeira semana de conferência o foco foi o gargalo das divergências entre países-membros da União Européia, as posturas evasivas de Índia e China e a indiferença em relação ao tema de parte da delegação norte-americana.

Em meio a anúncios de recessão, demissões e caos financeiro causados pela crise econômica, todos pareceram mostrar cautela em anunciar metas para a redução de CO2. Até agora, os pontos altos da 14ª COP do Clima aconteceram na segunda-feira passada (1/12) e hoje (8/12). Na semana passada, o presidente Lula divulgou, junto com o ministro do meio ambiente Carlos Minc, o Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC).

Hoje (8/12) a boa nova veio do Velho Continente. Depois de uma semana de cansativos “deixa-que-eu-deixo”, França e Alemanha selaram um acordo sobre emissões em torno do Pacote Energia-Clima. O Pacote, também chamado de 3×20, é um projeto de lei ambiental, que tem entre outras metas, a redução de 20% das emissões de gases de efeito estufa até 2020, o uso de 20% de energias renováveis, e 20% de redução de consumo de energia. O plano europeu colocará os 27 líderes da UE frente a frente nos próximos dias 11 e 12 de dezembro para que, finalmente, cheguem a um consenso.

Espera-se que esta segunda semana de discussões em Poznan aqueça as negociações entre nações e estabeleça as bases para a segunda fase do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. O novo acordo mundial do clima, em regime de combate ao aquecimento global, deverá ser selado na próxima reunião da ONU sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro de 2009, em Copenhague, Dinamarca.

Consenso difícil

Enquanto vários países reconhecem a necessidade urgente de uma ação decisiva contra a ameaça climática, o país anfitrião do encontro, a Polônia, tem se comportado como defensor da indústria do carvão mineral, o que rende ao país a reputação de retrógrado no que tange às negociações sobre mudanças climáticas.

Mas não é só a Polônia. A Itália, assim como a França, a Alemanha e outros países industrializados temem que a execução do plano diminua a competitividade no mercado mundial. Cálculos feitos pela indústria mostram que, até 2020, esses custos chegariam a 7,2 bilhões de euros apenas para seis setores (aço, outros metais, material de construção, vidro, químico e papel).

Países da União Européia pretendem diminuir 20% suas emissões de gás carbônico até 2020, mas não conseguem chegar a um acordo sobre a divisão dos custos dessa redução. Até agora, as negociações pouco avançaram e o cronograma europeu prevê que os chefes de governo e de Estado cheguem a um acordo nos dias 11 e 12 de dezembro, os dois últimos dias da Conferência de Poznan.

“É hora de os dirigentes traduzirem vontade política em um primeiro texto de negociação para o novo tratado global do clima”, disse Kim Carstensen, líder da Iniciativa Global para o Clima, da Rede WWF.

Bush, Barack e o clima

A 14ª COP está relativamente fragilizada pelo fato de não contar, ainda, com a participação de representantes do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, que tomará posse em janeiro do próximo ano. Por isso, há a expectativa de que a 14ª COP seja menos uma oportunidade de debates e mais um encontro de trabalho preparatório da 15ª COP, em Copenhague, aí sim, já com participação de representantes do novo governo dos EUA.

Mesmo com a ausência da nova equipe, o atual presidente eleito dos EUA, Barack Obama, se mostrou mais disposto a negociar o tema do que o atual governo Bush.

Brasil e o Plano Nacional de Mudanças Climáticas

O Brasil é um dos quatro maiores emissores de gases do efeito estufa do mundo, junto com Estados Unidos, China e Índia. No caso brasileiro, a maior parte das emissões está relacionada ao desmatamento da região amazônica.

O Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) tirou o Brasil da inércia socioambiental, num plano considerado arrojado pelos economistas e polêmico para os ambientalistas. Em entrevista para o jornal Valor Econômico no início de novembro, Minc disse ser “perfeitamente factível” assumir um compromisso de diminuir de 10% a 20% as emissões entre 2012 a 2020, com base nas emissões de 2004. Com isso, o governo finalmente pretende incentivar o desenvolvimento de ações no Brasil e colaborar com o esforço mundial de combate às mudanças climáticas.

O PNMC prevê a redução de 40% no primeiro quadriênio, 30% no segundo e 30% no terceiro, atingindo 5 mil km² em 2017. Isso equivale a 4,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) a menos na atmosfera.

O documento elaborado com a participação de 17 ministérios possui oito objetivos centrais e está estruturado em quatro eixos: mitigação; vulnerabilidade, impacto e adaptação, pesquisa e desenvolvimento; e capacitação e divulgação vão de encontro com dois desafios brasileiros no que se refere ao tema. O país precisa diminuir suas emissões de gases de efeito estufa e criar condições internas para enfrentar as conseqüências sociais e econômicas das alterações climáticas.

Para cada objetivo do Plano o governo aponta medidas a serem tomadas nas áreas de produção de energia elétrica, álcool, biodiesel e carvão. “Isso é mais do que o esforço de todos os países desenvolvidos. A Inglaterra, por exemplo, quer reduzir 80% até 2050″, avaliou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

Brasil e o Mundo Amazônia

Entre os pontos cruciais do novo acordo climático que será discutido na Conferência do Clima, o Brasil pretende apresentar soluções para colocar em prática a proposta de Emissões Reduzidas do Desmatamento e Degradação, conhecido como REDD. Segundo o ministro do meio ambiente, Carlos Minc, um exemplo do funcionamento do REDD é justamente o Fundo Amazônia.

Lançado em agosto, o Fundo receberá recursos internacionais que poderão ser sacados pelo governo de acordo com o total de desmatamento evitado a cada ano, tendo como base a média anual do desmatamento de 1996 a 2005, que foi de 19.500 quilômetros quadrados.

Para cada tonelada de dióxido de carbono deixado de ser emitido pelo desmatamento, o Brasil receberá US$ 5. Baseado neste cálculo, o país poderá sacar até US$ 1 bilhão em 2009, que poderá ser aplicado em medidas de recuperação de áreas degradadas, extrativismo, manejo florestal, etc. A Noruega foi o primeiro país doador, oferecendo US$ 1 bilhão.

A decisão de Minc de apresentar o plano brasileiro de mudanças climáticas deve incentivar as discussões em Poznan pelo fato de estabelecer metas, como a redução da média anual de desmatamento da Amazônia em 40% no período de 2006 a 2009. Minc, segundo assessores, embarca para Poznan no dia 9.

Perspectivas futuras

No ano passado, em Bali, os Estados-membros da Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (UNFCCC, sigla em inglês) prometeram amarrar o novo acordo até dezembro de 2009 - tempo necessário para uma eventual ratificação -, ainda que a data pareça, na realidade, difícil de cumprir.

Desde a entrada em vigor de Kyoto em 2005, a negociação climática acontece em dois níveis: a UNFCCC (192 países) e o Protocolo de Kyoto. Até agora, apenas os 37 países industrializados signatários de Kyoto estão sujeitos a metas de redução de suas emissões poluentes até 2012, o que levou os EUA a rejeitarem o tratado.

O novo acordo deverá, então, decidir sobre uma sobrevida de Kyoto, modificado e ampliado aos países emergentes, ou sobre a adoção de um “Protocolo de Copenhague”, que englobe todo mundo e permita, sobretudo aos EUA, sair do zero.

Em Poznan, o secretário-executivo da UNFCCC, Yvo de Boer, não conta com o anúncio em números da redução de um ou outro país, mas declarou que espera “uma linha de ação política mais clara”.

De acordo com o IPCC…

Todos querem saber o que os governos representados na COP-14 vão apresentar de concreto para evitar os impactos do aquecimento global sobre o clima do planeta. Segundo o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), caso a temperatura média da Terra exceda os 2ºC, poderemos ter:

* escassez de água para até 3,2 bilhões de pessoas;

* risco de inundação costeira a cada ano, afetando 15 milhões de pessoas;

* subida do nível do mar devido ao derretimento de placas de gelo, no longo prazo;

* perda de até 80% das florestas tropicais e de sua biodiversidade;

* aumento da mortalidade por ondas de calor, inundações e secas;

* aumento da desnutrição, diarréia, doenças infecciosas e cardiorrespiratórias;

* perda da imensa biodiversidade dos recifes de corais.

Na reunião da ONU de 2007, em Bali, o 4° Relatório do IPCC foi acertado com uma linha de negociação para a segunda fase do Protocolo de Kyoto, com a previsão de processos para financiar e fornecer tecnologias limpas aos países em desenvolvimento e um fundo para ajudar as vítimas do aquecimento global.

“Os impactos das mudanças climáticas estão correndo a frente das projeções científicas”, afirmou Stephanie Tunmore, da campanha de Clima do Greenpeace Internacional. “No entanto, estamos vendo uma falta de liderança nas negociações. Há governos que ainda não entenderam a urgência da crise climática. Somente um acordo mais amplo, profundo e forte do que o Protocolo de Kyoto pode amenizar as conseqüências dessa crise”, afirma.

Segundo os cientistas, as emissões dos países industrializados deveriam parar de crescer a partir de 2015 e, então, cair drasticamente até 2050, mas os grandes países emergentes, como China, Índia e Brasil, também estão sendo convocados para controlar a inflação de sua poluição.

Ainda sim, organizações como Greenpeace, já fizeram a lição de casa com base nos cálculos e indicações do IPCC e propõem resoluções mais amplas e diretas que o Protocolo de Kyoto. Entre as resoluções, o Greenpeace exigirá que “os países desenvolvidos assumam metas de reduções obrigatórias das emissões de CO2 entre 25% e 40%, em relação aos níveis de 1990, até o final de 2020, conforme indicações do IPCC; os países desenvolvidos adotem uma meta global de redução das emissões para o período de 2013 a 2017, que seja coerente com o cumprimento das reduções até 2020; os governos elaborem um plano de negociações para servir de base para o acordo de 2009; os governos elaborem um plano de trabalho para 2009, com modelos de negociações eficazes; os governos assumam o compromisso de criar fundos para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), com mecanismos que permitam que mercados e financiamento públicos invistam no combate do desmatamento; os países desenvolvidos estipulem o valor para os fundos de redução do desmatamento e definam como o dinheiro será levantado; os governos criem financiamento para mecanismos tecnológicos que visem a redução de emissão dos gases de efeito estufa, a partir de 2013.”

Fonte: Mercado Ético

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