sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Biodiversidade: Além da mudança climática

Por Ramesh Jaura, da IPS

Barcelona, 16/10/2008 – Enquanto o caos financeiro atrai a atenção mundial, falta determinar o custo da persistente perda de biodiversidade. Mas, especialistas afirmam que é muito, muito superior ao da crise desatada em Wall Street e, em muitos casos, também é irreparável. A União Internacional para a Conservação da Natureza prevê obter evidência incontroversa sobre o valor de preservar a biodiversidade e o custo de perdê-la. A maior e mais antiga rede ambiental do mundo encarregará desta tarefa suas comissões científicas. Este é um pilar fundamental das prioridades imediatas e estratégicas da IUCN, especificadas por seu novo presidente, Ashok Khosla.

A idéia, aprovada pelo congresso que a IUCN realizou entre 5 e 14 deste mês em Barcelona, é proteger a biosfera, com particular ênfase na conservação da biodiversidade em todas suas manifestações. “Faremos o que for preciso para colocar a questão da biodiversidade no cenário central da consciência pública e da mídia e nos âmbitos de tomada de decisões locais, nacionais e mundiais”, disse Khosla ao encerrar o congresso. As deliberações deste encontro deixam entrever lições apreendidas do debate sobre mudança climática aplicáveis à luta pela conservação da biodiversidade.


Embora muitos duvidassem da base científica do vinculo entre mudança climática e atividade humana, foi o ponto de vista autorizado e definido pelo Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) que pôs fim a esse debate. O IPCC, vinculado à Organização das Nações Unidas, conta com cerca de três mil cientistas. E a IUCN é a organização que pode e deve fazer no plano da biodiversidade o que este grupo está fazendo com a mudança climática.

A mensagem do congresso foi que “a biodiversidade objetiva o bem-estar das sociedades humanas e de suas economias”, disse a diretora-geral da IUCN, Julia Marton-Lefèvre. “Mas a conservação somente pode ter sucesso se atacarmos as causas subjacentes da perda de biodiversidade e, também, ao mesmo tempo agirmos para reduzir os impactos dessa perda”, acrescentou.


O programa da IUCN para 2009-2012, intitulado “Dar forma a um futuro sustentável”, diz que a organização contribuirá diretamente com os objetivos acordados internacionalmente pelos governos para reduzir a perda de biodiversidade. Também acrescentará uma perspectiva ambiental ao êxito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU (acordados por 189 países em 2000), o plano para a implementação da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (acordado em setembro de 2002 em Johannesburgo) e outros compromissos internacionais relevantes.


Criada em 1948 na localidade suíça de Fontainelbeau, três anos após a criação da Organização das Nações Unidas, a IUCN conta com cerca de mil membros de todo o mundo, entre eles governos e organizações não-governamentais internacionais. Esta rede está decidida a adaptar-se às realidades do mundo globalizado que mudaram ou estão mudando rapidamente. A IUCN enfrenta não apenas os problemas ambientais mais graves da história (mudança climática e redução de biodiversidade), mas seus membros também pedem mudanças fundamentais em seu funcionamento.

Khosla preside o Grupo de Alternativas para o Desenvolvimento, organização sem fins lucrativos com sede na Índia e criada em 1983 “para gerar meios de vida sustentáveis em grande escala”. Também preside o Clube de Rom,a organização de especialistas mundiais e centro de inovação e iniciativa. Uma de suas prioridades é estabelecer uma comissão mundial em colaboração com o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). O objetivo da comissão será investigar as implicações mais profundas da captura de carbono, o REED (mecanismo para compensar países por reduzirem as emissões do desmatamento e a degradação das florestas) e os biocombustíveis.

A iniciativa reunirá – seguindo o modelo da Comissão Mundial de Represas – personalidades de diferentes setores sociais e de opinião dedicadas a analisar ações em matéria de mudança climática e biodiversidade. Outro ponto importante na agenda da IUCN para os próximos anos é “formar novas alianças entre as melhores instituições para reunir seus diferentes pontos de vista e para gerar soluções significativas que abordem de modo efetivo as questões inter-relacionadas de população, recursos naturais, meio ambiente e desenvolvimento”. A IUCN também tentará esclarecer seu vínculo com as empresas.

A julgar pelos debates a esse respeito no Congresso de Barcelona, parece haver um consenso considerável de que a IUCN deve se comprometer com corporações grandes médias e pequenas. Mas os termos desse compromisso devem levar a resultados positivos em matéria de conservação, e garantir que a organização mantenha intocada sua integridade e capacidade de ação. “A IUCN foi criada pra influir, incentivar e ajudar a sociedade na hora de tratar com a natureza e os recursos naturais da maneira mais sustentável e socialmente eqüitativa”, explicou Marton-Lefèvre à IPS. “As empresas são uma parte da sociedade embora alguns de nossos membros não gostem. Assim, devemos nos comprometer, mas sem perdermos nossa voz ao fazê-lo”, acrescentou.


Khosla foi além. “Os comitês nacionais e regionais terão que desempenhar os papeis tanto de especialistas quanto de vigilantes em nível da sociedade civil”, afirmou, ao finalizar o congresso. Prevê-se a criação de um grupo de trabalho para definir os termos desse compromisso e as mudanças requeridas no funcionamento do conselho de 32 membros que dirige a organização. O congresso deste mês avançou na promoção da governabilidade em alto mar. Já que essas áreas ficam fora das jurisdições nacionais, frequentemente são exploradas por todos e administradas por ninguém.


Os direitos de comunidades vulneráveis, entre elas as indígenas, tiveram alta prioridade nas deliberações de Barcelona. Membros da IUCN exortaram os governos a considerarem as conseqüências nos direitos humanos em todas as atividades relacionadas com a conservação. O congresso abriu um debate para definir um contexto ético para as atividades de conservação, no qual a redução da pobreza, os direitos humanos e o princípio de redução de danos sejam aplicáveis em uma redefinição do relacionamento com a natureza. Com um olho posto na conferência sobre mudança climática que acontecerá em dezembro na Polônia, a IUCN exigiu objetivos de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa mais específicos, em linha com o Plano de Ação de Bali.

Este plano estipula redução de 50% a 85% nas emissões de dióxido de carbono até 2050, bem como manter um aumento da temperatura global abaixo dos dois graus centígrados. Vários compromissos de alto perfil foram assumidos no congresso para apoiar a missão da IUCN: a Fundação McArthur investirá US$ 50 milhões em mitigação e adaptação à mudança climática, e o Fundo Mohammed Bin Zayed para a Conservação de Espécies vai investir 25 milhões de euros (US$ 33,4 milhões) para a diversidade mundial.

Fonte: Envolverde/IPS

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