terça-feira, 16 de setembro de 2008

Inpe prevê Amazônia muito mais quente e com bem menos chuvas

Há 10 anos, por causa do sol quente do verão amazônico, o seringueiro e pequeno agricultor Duda Mendes, primo de Chico Mendes, conseguia ficar trabalhando em seu roçado, no seringal Cachoeira, em Xapuri (AC), até próximo ao meio dia. Hoje, Duda confessa que não consegue ficar roçando nem até às 11 horas porque, segundo ele, o calor e o sol quentes ficam insuportáveis.

Se o primeiro relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre os efeitos do aquecimento global na Amazônia, divulgado nesta terça-feira, 09/09, em Belém (PA) estiver certo, em 2010, Duda e seus companheiros terão de parar de trabalhar nos roçados do seringal bem mais cedo, não podendo ultrapassar às 10 e meia da manhã.

Afinal, a previsão do Inpe, catastrófica para quem mora na região da grande floresta, aponta que as temperaturas nos estados amazônicos do Pará e Maranhão podem subir nada menos que dois graus Celsius a partir de 2010. Além disso, a projeção para os índices pluviométricos é uma redução de chuvas de até 10% entre os anos de 2010 e 2040.

O primeiro relatório do estudo do Inpe, divulgado nesta terça-feira, 09/09, é enfático ao sustentar que haverá uma Amazônia cada vez mais quente e seca já a partir de 2010. Esse é o desolador cenário desenhado pelo primeiro de uma série de três relatórios feitos em parceria pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a empresa Vale sobre os efeitos do aquecimento global na região.

O estudo do Inpe lança perspectivas sombrias para a região da grande floresta tropical e para as mais de 20 milhões de pessoas que nela habitam. O aumento da temperatura e a redução das chuvas vão levar a uma savanização inevitável da Amazônia se o atual ritmo da devastação de sua floresta continuar inalterado.

Segundo explicou o cientista Carlos Nobre, do Inpe, um dos maiores especialistas mundiais em Amazônia, o estudo do órgão visa identificar os pontos vulneráveis da região e seus possíveis impactos em relação às mudanças climáticas. “A idéia é que esses dados sirvam para o desenvolvimento de políticas de adaptação”, assinalou o cientista.

No trabalho, os cientistas do Inpe estudaram as variações do clima na região tendo como referência os períodos 2010-2040, 2041-2070 e 2071-2100. Além do aspecto metodológico, esses períodos possibilitaram que se tornasse mais perceptível o andamento das mudanças climáticas na Amazônia.

Mais sete graus no final do século

O gerente geral de Mudanças Climáticas da Vale, Flávio Montenegro, ressaltou que as avaliações anteriores, como as feitas pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), se constituem em boa parte em estudos e projeções relativas ao final deste século. “São dados importantes, claro, tanto que foram usados como base desse estudo, mas são projeções muito distantes. O que fizemos foi aproximar essas projeções para que elas possam ser mais perceptíveis ao radar da sociedade”, assinalou Montenegro. O relatório do estudo do Inpe utilizou como base para a análise dois cenários usados pelo IPCC, sendo um deles, mais extremo, com alta concentração de gases do efeito estufa; e o outro, mais otimista, com baixa concentração e o cumprimento das metas de redução previstas pelo Protocolo de Kyoto.

“No cenário de estabilização, as temperaturas não passariam muito de 2,5 graus Celsius. No outro, tudo continua como está e as temperaturas poderiam subir até 4 graus Celsius”, destacou Carlos Nobre, um dos cientistas representantes do Brasil no IPCC e ganhador do prêmio Nobel da Paz, concedido ao grupo em 2007. “Na verdade, nem gosto muito de usar os termos ‘otimista’ e ‘pessimista’ em relação ao clima porque a realidade é muito pior do que o pior cenário imaginado no começo dessa década”, completou Nobre.

No período de 2041-2070, a previsão do estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais é de que haverá um aumento de até 4 graus Celsius. Em relação aos índices pluviométricos, as projeções do estudo, que analisou áreas de 50 em 50 quilômetros, em vez dos 200 a 300 quilômetros dos modelos usuais, indicam redução de chuva de até 10%, entre 2010 e 2040; e de até 20%, entre 2041 e 2070.

Para o período de 2071-2100, primeiro relatório do estudo do Inpe prevê um aumento ainda maior da temperatura, de até 7 graus, com alternância de períodos longos de seca com precipitações concentradas. “Os extremos serão mais freqüentes. Isso é uma coisa que podemos esperar também para outras regiões. Isso não significa que a chuva, como um todo, vai aumentar. Mas quando acontecer, ela vai ser mais intensa, trazendo o risco de inundações. Já o agravamento dos períodos mais secos pode significar um estresse ambiental a mais no já grave cenário das queimadas na região”, assinalou Carlos Nobre.

O cientista Carlos Nobre informou que os dois próximos relatórios do estudo do Inpe e da Vale, mostrando os impactos das mudanças climáticas na fauna, flora, agricultura, saúde e geração de energia devem ser divulgados no começo do próximo ano.

(www.kaxi.com.br)

Nenhum comentário: