quinta-feira, 5 de junho de 2008

COP-9 adia decisões importantes para 2010

Por Maurício Thuswohl, da Carta Maior

Após duas semanas de discussão, países não chegam a acordo em temas cruciais como o combate ao desmatamento e a responsabilização pelos danos causados pelos transgênicos, entre outros. ONU já admite ser impossível alcançar as Metas do Milênio de redução da perda da biodiversidade.

RIO DE JANEIRO – Encerrada no sábado (31) em Bonn, na Alemanha, a 9ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (COP-9) conquistou poucos avanços práticos. Após duas semanas de discussões, os mais de cinco mil delegados de 191 países acabaram postergando a maioria das decisões importantes - como estabelecer um mecanismo efetivo de combate ao desmatamento ou determinar responsabilidades pela contaminação causada por transgênicos, entre outras - para a COP-10, que acontecerá em 2010 na cidade japonesa de Nagoya.

O fracasso do esforço diplomático multilateral no que concerne à biodiversidade é flagrante, pois o ano de 2010 foi justamente o prazo estabelecido pela CDB para que, no âmbito das Metas do Milênio da ONU, as nações apresentassem “índices significativos de redução da perda da biodiversidade”. A paralisia das discussões na COP-9 e a constatação de que o ritmo da perda da biodiversidade se intensificou nos últimos anos mostram que essas metas estão longe de serem alcançadas. Ao mesmo tempo, a crescente pressão da expansão das monoculturas sobre as florestas e o jogo econômico com o preço das commodities agrícolas preparam um cenário preocupante para os próximos anos.

Os dados apresentados são assustadores. Segundo a ONU, treze milhões de hectares de florestas - onde vivem cerca de dois terços de todas as espécies terrestres - são destruídos a cada ano. Essa pressão, aliada à concentração do cultivo agrícola em poucas variedades alimentares, fez com que, nos últimos cem anos, três quartos da diversidade genética das plantações tenham sido perdidos. Atualmente, segundo a FAO, metade das calorias ingeridas pela humanidade vem de apenas três espécies alimentares (arroz, trigo e milho) em um universo de 30 mil plantas comestíveis. O domínio das sementes pelas empresas transnacionais de biotecnologia e a disseminação dos transgênicos podem tornar este quadro ainda mais grave.

O ritmo de extinção de espécies animais e vegetais é hoje cem mil vezes mais acelerado do que o considerado normal e, segundo a ONU, significa a perda de quatro espécies a cada hora. A progressiva redução das florestas é uma promessa de morte para centenas de espécies de mamíferos, milhares de espécies de répteis e anfíbios e dezenas de milhares de espécies de insetos. Atualmente, uma em cada oito espécies de pássaro conhecidas está em risco de extinção. A acentuada perda da biodiversidade marinha em todo o planeta, causada pela pesca industrial sem controle, também é assustadora, com o desaparecimento de várias espécies: “Nesse ritmo, a perda da biodiversidade marinha causará até 2050 um cenário devastador para milhões de pessoas que dependem da proteína do peixe”, alertou o secretário-executivo da CDB, Ahmed Djoghlaf.

Os países presentes à COP-9 concordaram que, para deter a destruição das florestas, é preciso criar mecanismos financeiros que desestimulem o desmatamento. No entanto, a definição desses mecanismos foi mais uma vez postergada. Restaram iniciativas isoladas, como a feita pelo governo alemão, que anunciou a doação de meio bilhão de euros para a proteção de florestas e espécies ameaçadas. O governo brasileiro, por sua vez, anunciou a criação do Fundo de Proteção à Amazônia, que espera angariar um bilhão de dólares nos próximos anos para desenvolver projetos sustentáveis junto aos 25 milhões de brasileiros que habitam a floresta.

“Live Web Iniciative”

Outra tarefa fundamental para deter a perda da biodiversidade é estimular a ainda tímida criação de unidades de proteção ambiental nos países megabiodiversos. Para tanto, foi lançada durante a COP-9 a “Live Web Initiative”, que é um plano de parceria global entre doadores e países que procuram fundos para criar áreas protegidas: “A criação de áreas de proteção ambiental é a espinha dorsal da CDB. Convido todos os países que tenham recursos a participar dessa iniciativa”, afirmou o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Sigmar Gabriel, após anunciar uma primeira doação de 40 milhões de euros.

Discussão que se arrasta há quase dez anos e que interessa particularmente às populações indígenas e extrativistas que vivem na Amazônia brasileira, a criação de um sistema de repartição dos benefícios econômicos oriundos da exploração da biodiversidade também foi empurrada para 2010. Nesse caso, no entanto, houve um avanço em relação à COP-8 realizada em 2006 em Curitiba, pois todos os países concordaram que o sistema de repartição dos benefícios, quando criado, seja vinculante, ou seja, tenha cumprimento obrigatório por parte de seus signatários.

Transgênico sem culpa

Também realizado em Bonn, o 4º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-4) antecedeu a COP-9 e travou a sempre problemática discussão sobre os organismos transgênicos. Mais uma vez, os países fracassaram na tentativa de acordo sobre um regime de regras internacionais que façam poluidores pagarem pelos eventuais danos causados pelos transgênicos ao meio ambiente, à biodiversidade e à saúde humana. Até hoje, segundo a ONU, já foram registrados 216 casos de contaminação causados por inúmeras espécies de transgênicos em 57 países.

No início da MOP-4, parecia que as discussões iriam avançar, pois os países, assim como no caso da repartição de benefícios, concordaram em estabelecer um regime de responsabilização pelos transgênicos vinculante e com força de lei. A partir daí, no entanto, nada mais andou, pois alguns países, liderados por Japão e Brasil, passaram a obstruir as discussões. No fim das contas, tudo ficou para ser decidido na MOP-5, que também acontecerá daqui a dois anos em Nagoya: “A boa notícia é que todos os países concordam com regras que tenham valor de lei e não sejam apenas voluntárias, mas a atitude destrutiva do Brasil e do Japão traz preocupação para as futuras rodadas de negociação”, avaliou a coordenadora internacional de Engenharia Genética do Greenpeace, Doreen Stabinsky.

(Envolverde/Agência Carta Maior)

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