terça-feira, 1 de abril de 2008

“O planeta necessita de uma revolução energética”, afirma Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute


Desde o início da Revolução Industrial, em meados do século 18, até os dias de hoje, as emissões de gases de efeito estufa têm aumentado de forma expressiva. Enquanto, naquela época, a taxa de CO2 na atmosfera não ultrapassava 240 ppm (partes por milhão), nível considerado normal pelos cientistas, hoje, com a ação humana, o gás carbônico na atmosfera já chegou a 370 ppm. Alguns estudos indicam que a partir de 450 ppm a vida humana no planeta pode tornar-se inviável. Para reverter essa situação, será necessário reduzir 20% das emissões de CO2 até 2020.

"O planeta precisa de uma revolução no setor energético." Essa é a opinião de Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute, organização não-governamental sediada nos Estados Unidos, conhecida por suas pesquisas no setor energético e por publicar anualmente o relatório O Estado do Mundo. "As energias renováveis e a eficiência energética se tornaram elementos fundamentais para o planeta. Assim, os países precisam usar menos energia e menos recursos naturais para fazer funcionar sua economia e infra-estrutura", afirma Flavin. "E isso precisa ser pensado desde já, pois mudar todo o sistema de energia leva muito tempo. Os investimentos de hoje irão definir o tipo de energia que teremos nas próximas décadas."

Segundo Flavin, foi no início do século 20 que as energias renováveis ganharam força. De 1907 para cá, a capacidade de produzir energia a partir dos ventos aumentou e as máquinas se tornaram mais dinâmicas. Os Estados Unidos, seguidos pela Índia e China, tornaram-se líderes nessa tecnologia, que ainda se desenvolve de forma lenta. Já a energia solar experimentou um boom nas últimas décadas, sobretudo no Japão, na Alemanha, na China e nos Estados Unidos. Este último conta com o Vale do Silício, pólo tecnológico localizado ao norte do Estado da Califórnia, que, ao promover avanços tecnológicos e o uso de energias renováveis, fez com que o setor se tornasse competitivo e uma oportunidade de negócios. "Multinacionais como a Mitsubishi, grupos como Citibank, pequenas indústrias e empresas de capital de risco passaram a apostar em energia limpa. De 1995 até 2007, US$ 50 bilhões foram investidos em energias renováveis", explica. "Esses avanços também são resultado de uma política de governo que tem dado subsídios e incentivos para as energias renováveis. É preciso investir em alternativas ao petróleo."

Essa idéia também é compartilhada por Corrado Clini, diretor-geral do Ministério do Meio Ambiente da Itália e presidente do Comitê de Mudanças Climáticas do G8 (grupo dos sete países mais industrializados e a Rússia). Clini destacou que, apesar da necessidade de baixar as emissões de CO2, estima-se que até 2025 a demanda por combustíveis fósseis deve aumentar em 80%. "Nosso desafio não é apenas teórico. Estamos enfrentando uma questão de prazo. Para mudar esse cenário é preciso reorientar os investimentos", acredita. "Hoje o uso de biomassa representa 11% do portfolio de energia. Esse índice pode chegar a 25% nas próximas décadas."

Cline lembrou alguns resultados desastrosos para a sociedade e para o meio ambiente provocados pelo mercado de biocombustível. Segundo ele, a demanda por milho nos Estados Unidos, no início do ano, fez com que o produto desaparecesse dos supermercados, causando riscos para a segurança alimentar de países como o México. Uma situação similar aconteceu na Indonésia. O óleo de palma produzido localmente era utilizado como biocombustível por países europeus. Constatou-se, no entanto, que, para atender a essa demanda, a floresta tropical indonésia estava sendo devastada. Em razão disso, o país chegou a emitir 2 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano.

"O G8 está estudando regras para que o mercado de biocombustíveis não cause resultados desastrosos para a sociedade ou para o meio ambiente", afirma Clini. As negociações ocorrerão no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para ele, uma das formas de evitar que problemas dessa ordem ocorram é rotular os produtos com informações sobre procedência e forma de obtenção. Mas Clini adverte que é preciso ser muito cauteloso ao esbarrar nos interesses dos países produtores de petróleo. "Fui avisado pelo secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) que, caso o G8 continue apoiando o uso de biocombustíveis, o fornecimento de petróleo poderá ser cortado."

Corrado Cline e Christopher Flavin estiveram no Brasil em novembro de 2007 para participar da Eco Power Conference, evento internacional sobre energia renovável e mudanças climáticas ocorrido em Florianópolis (SC). Flavin falou com o Notícias da Semana sobre o cenário do setor energético no Brasil e sobre os subsídios e incentivos para a eficiência energética na Califórnia. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Instituto Ethos: O senhor afirmou que os atuais investimentos no setor energético vão definir o tipo de energia que o país terá durante as próximas décadas. A partir desse ponto de vista, qual a análise que o senhor faria do Brasil?
Crhistopher Flavin: Acredito que o Brasil está definitivamente caminhando para o lado certo. O país tem avançado muito rápido tanto em eficiência energética quanto em energias alternativas. Exemplo disso é a indústria brasileira de etanol, que tem progredido tecnologicamente e passou a preocupar-se com as questões ambientais ligadas ao cultivo da cana-de-açúcar, como a queimada. O Brasil está investindo mais em energia eólica e a idéia de construções verdes está crescendo. Mas acredito que os brasileiros ainda possam fazer muito mais do que estão fazendo hoje, pois, em minha opinião, o Brasil é um dos países mais ricos em recursos naturais no mundo.

IE: Como o Brasil poderia fazer uso de sua energia de forma mais eficiente?

CF: O Brasil precisa adotar padrões mais severos em relação à sua frota de veículos e também prestar mais atenção no setor de construção. Além disso, o país deveria adotar incentivos econômicos para reduzir o consumo de energia elétrica e introduzir novas tecnologias que promovam a eficiência energética. Acho que esses são os pontos-chave.

IE: Quanto os Estados Unidos têm investido em energias renováveis?

CF: Em 2007, os americanos investiram US$ 17 bilhões de dólares em energia limpa. Entre os investidores estão bancos, empresas de capital de risco e o próprio governo.

IE: O senhor disse que as empresas de energia na Califórnia estão ganhando mais por vender menos energia. Como seria isso?

CF: A Califórnia está regulamentando as atividades das empresas de energia elétrica que atuam no estado. Até mesmo a forma de essas empresas obterem lucro é regulada pelo governo. Uma empresa de energia não funciona como outra empresa qualquer, que vende seu produto pelo valor de mercado. No caso delas, o preço do produto é determinado pelo governo, que além de tudo decide qual deve ser o lucro. O que o governo da Califórnia fez foi mudar a forma de incentivo. Ele determinou que o lucro das empresas de energia não será de acordo com as vendas, mas conforme os investimentos que as empresas fazem em eficiência energética. Assim, mesmo quando as vendas caem, elas podem continuar investindo em tecnologias mais eficientes. É uma forma complexa de regulamentar, mas, por ser baseada em princípios, não é difícil de ser implementada. Como resultado dessa regulamentação, a Califórnia está consumindo a metade da energia que outros estados americanos consomem.

IE: O G8 acredita que uma das formas de incentivar a eficiência energética é rotular os produtos que vão para o mercado internacional. Qual é sua opinião sobre isso?
CF: A questão da rotulagem é muito complexa. No caso dos biocombustíveis, por exemplo, ela envolve aspectos como as emissões de gás carbônico, o tipo de terra que está sendo usado para plantio, o que era plantado ali anteriormente, questões trabalhistas, etc. Uma única diretriz não resolveria o problema. Mas, com certeza, a União Européia deve iniciar esse processo.

IE: E quanto à questão dos subsídios? Os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental desistiriam de subsidiar o biodiesel que produzem?

CF: Existe muita pressão para que os subsídios sejam eliminados. Por outro lado, a indústria do biodiesel está crescendo muito, o que leva ao aumento dos preços das commodities agrícolas. Com isso, em princípio fica mais fácil baixar os subsídios, pois os preços já estão altos. Ao mesmo tempo, há um enorme interesse econômico nos produtos agrícolas, tanto nos países da Europa quanto nos Estados Unidos. Mas eu acho que estamos próximos de ver algum progresso em relação aos subsidios, sim. Haverá pressões muito fortes para que o sistema atual seja reformulado.

A jornalista Giselle Paulino foi para a Eco Power Conference a convite da organização do evento.

Fonte: Instituto Ethos

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