quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mudança climática desafia a espécie humana

Por Darío Montero*

É preciso ampliar o círculo dos praticantes de uma forma sustentável de viver para enfrentar a mudança climática, afirma nesta entrevista exclusiva Mirta Roses, diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS).

Montevidéu, 7 de abril (Terramérica) - O Dia Mundial da Saúde, comemorado neste 7 de abril, é uma boa oportunidade para “chamar a atenção para o fato de estar em jogo a sobrevivência da humanidade” devido à mudança climática, disse a diretora da OPS, Mirta Roses. Autoridades e comunidades devem “assumir a responsabilidade que cabe a todos nós de contribuir com um ambiente mais estável”, e reduzir a fragilidade das populações em zonas de risco e na pobreza, como os indígenas, destacou a cirurgiã argentina especialista em doenças infecciosas, em conversa por telefone com o Terramérica, de Washington.

Terramérica - Quais são as principais ameaças para a saúde que a mudança climática representa em nosso continente?

Mirta Roses - Um dos efeitos mais conhecidos, pela alteração dos padrões tradicionais de temperatura, pressão atmosférica, umidade, etc., ocorre na distribuição de enfermidades, bem como de vetores, que em geral são insetos. Com estas mudanças se modificam, por exemplo, os ciclos estacionais que antes evitavam a disseminação de doenças. Assim, aparecem novas ou se expandem outras, como os problemas respiratórios, a febre amarela, a malária ou a dengue, que já cobre todo o continente. A mudança climática dá maior freqüência a fenômenos como furacões e a períodos de seca seguidos de chuvas em excesso, que afetam especialmente os mais vulneráveis, as comunidades que vivem em zonas de risco e na pobreza.


Terramérica - Quais medidas concretas a OPS aplica?

Mirta Roses - Procuramos incentivar medidas individuais e comunitárias para não agravar os fatores que influeciam a mudança climática. A saúde é um setor de alto consumo de energia, nos hospitais e outros serviços, por isso todos devemos contribuir para o melhor manejo do meio ambiente, de técnicas e pautas de consumo. Também se trabalha sobre a disposição final de dejetos sanitários perigosos.


Terramérica - Como são na prática essas recomendações?

Mirta Roses - Para darmos o exemplo, desenvolvemos um plano chamado “OPS Verde”, para aprender a partir do hábito e da cultura institucional e com os trabalhadores da organização. Mas nosso trabalho habitual é com os ministérios da Saúde, assim ampliamos o círculo de convencidos e praticantes de uma forma mais sustentável de viver e atuar. Já fizemos uma experiência com o hábito de fumar: começamos por casa, declarando a OPS livre de fumaça e assim conseguimos convencer os governos. Atuamos sobre o manejo dos serviços de saúde e, naturalmente, com áreas muito vinculadas com o manejo da água, saneamento e tratamento de dejetos. Cooperamos com os países em sistemas de alerta e planos de contingência, não apenas para enfrentar os efeitos da mudança climática e o aumento dos desastres naturais, mas na disponibilidade de água potável e alimentos


Terramérica - Como a OPS aborda a questão do saneamento, às vezes desprezado?

Mirta Roses - Na América, cerca de 150 milhões de pessoas não têm acesso à água segura e aproximadamente 130 milhões não contam com esgoto básico. Neste ano internacional do saneamento destacamos muito esta exclusão de tanta gente. Isto foi vivido pela região de maneira muito dolorosa quando em 1991 reapareceu o cólera, com impacto nas pessoas e no próprio desenvolvimento econômico, porque as doenças transmitidas pela água são motivos de muitas barreiras sanitárias ao comércio.


Terramérica - Como a OPS influi na obtenção de financiamento para ampliar a rede de saneamento?

Mirta Roses - É fundamental mostrar a evidência. Tivemos de nos converter em especialistas para fazer estudos econômicos dos impactos, mostrar como estes determinantes se relacionam com a nutrição, a mortalidade materno-infantil e o desenvolvimento. Desenvolvemos muitos instrumentos de análise, estudos setoriais para identificar as necessidades e os planos de investimento e assim atrair a atenção dos bancos de desenvolvimento para darem assistência em obras de infra-estrutura de alto financiamento. Por outro lado, se trabalha muito com a melhoria da gestão das empresas públicas de água e saneamento e na formação dos recursos humanos.


Terramérica - Como é a resposta a esta ação nos municípios e nas comunidades?

Mirta Roses - Realizamos, há quase 20 anos, o plano Município Saudável, que encara a promoção da saúde e a redução de doenças com um enfoque de desenvolvimento local e fortalecimento das autoridades e da ação inter-setorial centrada em líderes políticos, associações de moradores, etc. Na maioria dos casos, começa exatamente com as reivindicações de acesso a água e saneamento. Também com muita sensibilidade para o desenvolvimento de tecnologia simplificada e apropriada à cultura local. Temos dado muito apoio e desenvolvido trabalhos com populações indígenas, que têm suas próprias concepções de relação harmônica com a natureza e de busca por recursos naturais.


Terramérica - Conte uma dessas experiências.

Mirta Roses - Trabalhamos de maneira sustentada com indígenas da área andina e no Paraguai, com o resgate e fortalecimento de tecnologia simples e de investimentos em sistemas comunitários de prospecção de água e de desinfecção do recurso em moradias. Isso ajudou a controlar o cólera, que em dez anos pôde ser eliminado novamente da região. Foram resgatadas práticas tradicionais como as juntas de água para administrar e encontrar um equilíbrio entre uso doméstico e agrícola.

* O autor é subeditor regional da IPS para a América Latina.

Crédito de imagem: OPS
Legenda: Diretora da OPS, Mirta Roses.


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Envolverde/Terramérica)

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