quinta-feira, 27 de março de 2008

Competição por recursos emperra integração energética

Uma mistura de falta de investimentos, diferenças políticas e aumento de demanda está levando alguns países da América do Sul a competir por recursos energéticos e emperrando o processo de integração da região nessa área.

Com grandes reservas de petróleo e gás, além de uma robusta produção de energia hidrelétrica, na opinião de especialistas e de diferentes governos - entre eles o brasileiro - há muitos benefícios e um grande potencial para se utilizar melhor os recursos energéticos do sub-continente.

Mas após avanços nos últimos anos, tanto o Brasil como seus vizinhos enfrentam hoje um aumento de tensão e dúvidas sobre a integração.

Um relatório recente produzido pelo banco alemão Deutsche Bank faz uma lista dos problemas. "Um dos possíveis obstáculos no futuro próximo é o recente surgimento do nacionalismo em relação aos recursos naturais e tensões políticas associadas a isso." Além disso, o autor do documento, Georg Caspary, aponta para a falta de investimentos e de infra-estrutura regional no setor como outras fragilidades.

Disputas - O exemplo mais recente desses problemas é a disputa pelo gás boliviano entre o Brasil e a Argentina.

No ano passado, uma crise de desabastecimento de energia na Argentina já havia feito com que o país reduzisse suas exportações de gás para o Chile. Neste ano, a falta de capacidade da Bolívia de aumentar sua produção pôs em risco o cumprimento de contratos com Brasil e Argentina. A crise energética boliviana foi alvo de reuniões dos presidentes dos três países e ainda não tem uma solução clara.

Para o analista de energia boliviano Carlos Miranda, levando-se em conta as projeções atuais de aumento na demanda nos próximos anos, a Bolívia terá que duplicar a sua produção de gás para servir completamente aos dois mercados. "Na próxima década, a Bolívia tem condições de fazer isso. Mas antes, não", afirma ele.

Mas para aumentar a produção, o país precisa de dinheiro de fora. "É uma ingenuidade supor que a Bolívia pode levar adiante um processo energético sem investimento externo", afirma o ex-presidente boliviano, Carlos Mesa.

Mesa é um dos críticos do atual governo de Evo Morales, que, em 2006, nacionalizou todas as empresas que exploram hidrocarbonetos na Bolívia, atingindo refinarias da Petrobras no país. O Brasil acabou vendendo suas refinarias ao governo boliviano, mas o episódio provocou tensões diplomáticas e apenas recentemente o governo brasileiro anunciou que voltará a investir no vizinho.

Outro conflito que está se desenhando no horizonte é com o Paraguai. A Usina de Itaipu, que foi pioneira na integração energética nos anos 1970, ainda é a maior do mundo e responde por quase toda energia utilizada pelo Paraguai e mais de 20% da consumida no Brasil.

No entanto, os paraguaios reclamam que a tarifa paga pelo Brasil não é justa e vários dos candidatos à Presidência do país propõem uma revisão do contrato - as eleições ocorrem em 20 de abril.

Ramón Casco, editor de economia do jornal paraguaio ABC Color, uma das mais fortes vozes contra o Brasil na questão de Itaipu, afirma que a Bolívia inspirou os paraguaios. "Se Evo Morales pediu melhores preços por gás natural, por que o Paraguai não teria direito a pedir melhores preços pelo excedente energético de Itaipu?"

Venezuela - Um dos casos mais representativos do desafio da integração regional, no entanto, é o do Brasil com a Venezuela. Os dois países possuem as duas maiores reservas de petróleo da América do Sul, e as duas maiores empresas do setor. A Venezuela é o oitavo maior exportador de petróleo do mundo, e o Brasil é o maior mercado consumidor da região.

Mas a aproximação entre os dois países ainda é tímida. Segundo o analista de petróleo iraquiano Mazzar Al Shereidah, que mora em Caracas há 40 anos, desde os anos 1980 diferentes governantes de Brasil e Venezuela têm prometido uma aproximação. No ano passado, os governos dos dois países anunciaram três projetos energéticos entre PDVSA e Petrobras. No entanto, o Brasil virtualmente já abandonou dois deles.

A Petrobras cancelou sua participação em um projeto de prospecção de gás natural em Mariscal Sucre e, neste ano, anunciou a redução da participação no bloco de Carabobo, na Faixa do Orinoco. A Venezuela agora busca outro parceiro internacional.

A presença da Petrobras na Venezuela continua hoje restrita à participação minoritária em quatro empresas controladas pela PDVSA na Faixa do Orinoco.

"No início dos governos Lula e Cháves, houve grandes, gigantescas, enormes expectativas em relação à integração energética entre Brasil e Venezuela", diz Al-Shereidah. "Mas na realidade não se viu nada senão uma pálida sombra daquelas expectativas."

Outros temas energéticos também dividem as duas nações. Lula nunca se mostrou entusiasmado com o Gasoduto do Sul ou com a Petroamerica, duas propostas de Chávez para integração do continente. E, visando os Estados Unidos, Chávez lançou uma campanha contra os biocombustíveis, que têm sido uma das frentes diplomáticas do governo Lula.

Mudanças - Analistas acreditam que o setor de energia na América do Sul ainda pode sofrer grandes mudanças e que é difícil prever como o processo de integração será afetado. Um dos fatores que complicam as análises, além das crises e gargalos locais, é a influência de fatores externos, como a maior demanda de países de fora da região competindo por recursos.

Outro fator que pode mudar o cenário atual é a descoberta de novas reservas de petróleo no Brasil. Em outubro passado, a Petrobras anunciou a descoberta de um megacampo em Tupi, na Bacia de Santos. Ainda não está claro o impacto da descoberta na produção brasileira, mas existe a expectativa de que o Brasil se torne um importante exportador de petróleo na próxima década.

"A maior parte dos analistas de petróleo parecem concordar que o lugar do Brasil na geografia do petróleo deve mudar", afirma o Economist Intelligence Unit.

Segundo o relatório do Deutsche Bank, mesmo com todos os problemas da região no setor energético, há espaço para "um otimismo cauteloso". Para o banco, vários países da região podem se beneficiar dos investimentos globais que o setor deve atrair nos próximos anos. O Brasil deve ser um deles. O que é menos é quem mais fará parte deste grupo. (Estadão Online)

Nenhum comentário: