segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Mamona, Biocombustível e algumas considerações sobre uma Política para a Agricultura Familiar no Semi-Árido

Fernando Negret (*)

O cultivo da mamona tem uma longa trajetória histórica no Brasil e na década dos 70 teve a sua maior importância quando a área cultivada chegou a 600 mil hectares. Na década de 1980 o Brasil ocupava a segunda posição mundial com uma participação de 26% da área cultivada e em 1999 estava reduzida a 8%, ocupando o terceiro lugar após a Índia e a China. Na atualidade esses dois países são responsáveis por aproximadamente 90% da produção mundial (1). A perda de competitividade do Brasil no mercado mundial é explicado por vários autores pela impossibilidade do produtor utilizar melhor tecnologia e insumos para a produção, incluindo a mecanização, sementes melhoradas, preparo da terra, plantio, colheita, armazenamento e comercialização.

Da mamona se obtém como principal produto o óleo e como subproduto a torta, a qual é utilizada como adubo. O óleo tem numerosos usos, dentre os quais se destaca sua utilização na fabricação de tintas, vernizes, cosméticos e sabões, bem como na produção de plásticos e fibras sintéticas. É reconhecido como lubrificante de alta qualidade dada a sua insuperável viscosidade, motivo pelo qual é usado em motores de alta rotação e de avançada tecnologia. Também é utilizado na fabricação de corantes, anilinas, desinfetantes, germicidas, óleos lubrificantes de baixa temperatura, colas e aderentes; serve de base para fungicidas, inseticidas, tintas de impressão, nylon e matéria plástica. São muitos os usos da mamona, incluindo as folhas da planta misturadas à forragem para alimentar o gado e como cobertura do solo e adubo natural para cultivos. (2)

Na atualidade a mamona tem conseguido novamente notoriedade no Brasil por conta da possibilidade de o óleo ser utilizado na produção de biocombustíveis. Essa alternativa bem sendo propalada pelo governo e têm criado enormes expectativas, particularmente nos agricultores familiares do nordeste e da Bahia, em cujo estado se produz hoje o 85% do total nacional. Entretanto, diversas opiniões discutem as possibilidades da mamona se tornar uma alternativa de renda viável sem afetar como monocultura o meio ambiente do semi-árido. Muitos pesquisadores defendem o uso de consórcios e a rotação de cultivos para um melhor manejo da terra.

Na revista de Política Agrícola, do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (3) se afirma que “O potencial brasileiro para a produção de biocombustíveis, que inclui o cultivo de oleaginosas e de cana de açúcar, é imensurável. No nordeste, além da cana de açúcar, é possível cultivar mamona, amendoim, gergelim, babaçu, entre outras oleaginosas. Somente para mamona existe uma área de mais de 3 milhões de hectares aptas ao seu cultivo”. Os mesmos autores afirmam “que considerando a necessidade de se aumentar, significativamente, o plantio de oleaginosas, será possível o assentamento de milhares de famílias, com uma perspectiva de negócios atraente”. (3 op.cit. p.32)

No trabalho, “Biocombustíveis, uma Oportunidade para o Agronegócio Brasileiro” (4), no seu item “Estado Atual e Potencial das Principais Oleaginosas”, prevê-se uma expansão acentuada no plantio de estas culturas e afirma-se que o “mercado de óleos combustíveis será superior ao do etanol, em especial pela sua maior densidade energética“ (5). Nesse trabalho se assinala a necessidade de fazer mais investimentos em pesquisa para superar as deficiências tecnológicas e formular sistemas de produção sustentáveis. Igualmente se sugere a análise e estruturação dos segmentos das cadeias produtivas, adequando-as ao novo cenário, com o ingresso da demanda energética.

Segundo Sidnei Silva Suerdik (2006), no seu trabalho “Políticas Públicas de Fomento ao Biodiesel na Bahia e no Brasil: Impactos Sócio-Econômicos e Ambientais com a Regulamentação Recente” (6), a prioridade do Plano Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB tem sido fomentar a ampliação da produção e o consumo em escala comercial do biodiesel como aditivo ao diesel petrolífero no Brasil. O programa tem enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional por meio da diversificação de fontes de matérias-primas vegetais e de regiões produtoras. A Lei 11.097, de treze de janeiro de 2005, instituiu juridicamente o início de implementação do PNPB, introduzindo o biodiesel na Matriz Energética Brasileira ao estabelecer a obrigatoriedade da adição de 2% desse biocombustível ao óleo diesel de origem fóssil no país a partir de 2008 (mistura também conhecida como B2). Tal regulamentação prevê ainda a ampliação da mistura obrigatória para 5% a partir de 2013. O autor assinala também que O PNPB busca assim, estimular a produção de biodiesel a partir de diferentes oleaginosas, incluindo, além da mamona e outras, a palma ou dendê, o girassol, o algodão e a soja.

Recentemente foi concluída uma pesquisa encomendada pelo Instituto de Permacultura da Bahia – IPB realizada nos municípios de Umburanas, Ourolândia, Cafarnaum e Morro do Chapéu, do semi-árido do Estado, principal região produtora de mamona do país. A pesquisa foi realizada junto aos monitores e Agentes Comunitários Rurais – ACRs do projeto Policultura no Semi-Árido desenvolvido por esse instituto e que recebeu o premio de Melhor Tecnologia Social 2007 da Fundação Banco do Brasil. Além de agricultores, os monitores são também assistentes técnicos de quase mil famílias que praticam a policultura e na sua maioria são produtores de mamona. Essa atividade lhes há permitido aos monitores e ACRs conhecer muito bem a problemática da agricultura familiar e as dificuldades para tornar esse cultivo uma verdadeira alternativa para melhoria das condições de vida de numerosas famílias nordestinas.

Dentre as diversas perguntas formuladas aos monitores e ACRs sobre as suas práticas agro-ecológicas e as dos agricultores aos quais dão assistência, lhes foi consultado o papel que a mamona desempenha nos campos de policultura e na economia familiar e sobre as falências e necessidades que impedem que a mamona funcione melhor no seu processo produtivo global, incluindo a comercialização. As respostas são muito ilustrativas da situação real da mamona no âmbito da agricultura familiar.

Cabe ressaltar em primeira instância que as respostas demonstram claramente a importância da mamona na renda desses agricultores, já que a maioria dos entrevistados a considera como o único produto orientado exclusivamente para a comercialização e apoio financeiro da família. Entretanto, são diversos os problemas mencionados como obstáculos pelos entrevistados para que a mamona cumpra o papel sócio-ambiental que poderia cumprir no semi-árido sendo matéria prima para a produção de tantos derivados, incluindo o biocombustível. Nesse sentido, a opinião mais representativa dos entrevistados considera como principal problema a instabilidade dos preços e por esse motivo ocorre um desestímulo periódico para plantar mamona. Esse fato é comprovado hoje pela escassez atual do produto no mercado nacional.

Uma pesquisa complementar sobre o comportamento dos preços da mamona foi realizado junto a um importante comprador ou atravessador na região e, segundo ele, no período de existência do Real desde 1994, a variação dos preços de compra por ele oferecidos por um quilo de mamona foi desde um mínimo de R$ 0,16 (centavos de real) até um máximo de R$ 1.50 (um real e cinqüenta centavos). Essa variação de 937% ou de quase 10 vezes o valor de um quilo, mostra com evidência as dificuldades e o desestímulo que podem experimentar os agricultores familiares. No momento da pesquisa, em dezembro de 2007, o quilo de mamona estava sendo pago na região a R$ 1.00, nos meses anteriores estava a R$ 1.30. A perspectiva é que os agricultores continuem plantando e a tendência do preço continue a baixa.

Nesta recorrente situação de preços instáveis, que traz como conseqüência dificuldades periódicas para os agricultores e uma oferta incerta da matéria prima, parece razoável refletir sobre uma política de estabilização mediante a garantia de um preço socialmente justo. Talvez se pudesse pensar num novo programa de “Bolsa Trabalho” ou de “Bolsa Produção” para incentivar a agricultura familiar, nos moldes do programa da “Bolsa Família” e, por meio do qual, os agricultores mais pobres pudessem receber um subsídio para garantir um preço estável de compra e a produção permanente da mamona. Um programa desse tipo não teria o caráter de um subsídio assistencialista, na medida em que se estaria estimulando o trabalho e a produção.

É amplamente conhecida a antiga e árdua luta que o Brasil e os países em desenvolvimento tem livrado contra os enormes subsídios que os países capitalistas desenvolvidos fornecem a seus ricos agricultores, já de por si favorecidos pelos avançados recursos tecnológicos a sua disposição. Além disso, sabe-se que esses processos produtivos são grandes consumidores de combustíveis fósseis e em essa medida pouco contribuem ao clima global do planeta. Então, caberia perguntar-se se não é socialmente justo e ambientalmente correto subsidiar as famílias dos agricultores mais pobres do Brasil para a produção de uma matéria prima que pode contribuir a combater o aquecimento global mesmo sendo ainda baixo o balanço energético do processo da produção do biocombustível.

O denominado balanço energético “estabelece a relação entre o total de energia contida no biocombustível e o total de energia fóssil investida em todo o processo de produção desse biocombustível, incluindo-se o processo agrícola e industrial. Somente culturas de alta produção de biomassa e com baixa adubação nitrogenada, como a cana de açúcar e dendê, tem apresentado balanços energéticos altamente positivos (media de 8,7). No caso do biodiesel de mamona, o balanço energético é baixo (<2),>(7) .

As sugestões anteriores para alcançar um balanço energético mais favorável na cultura da mamona, já estão sendo aplicadas nas unidades de produção dos monitores e agricultores participantes do projeto da policultura na Bahia. Além da inexistência de processos mecanizados para preparar a terra, a adubação e a cobertura vegetal do solo se faz com leguminosas plantadas por eles mesmos, incluindo a palha da própria mamona e o material orgânico dos restos das outras culturas.

Segundo a opinião de alguns dos entrevistados na pesquisa e as visitas de campo realizadas, a mamona não se cultiva muito em consórcio porque é uma planta “egoísta” que se desenvolve melhor cultivada “solteira” ou sozinha. O fato de se realizar o cultivo da mamona de maneira individual e não em consórcio eleva os custos de manejo do cultivo e do produto final, além do impacto sobre o desgaste do solo. Esses aspectos de caráter técnico também podem ser considerados para justificar uma política de apoio aos agricultores familiares para a produção da mamona.

Adicionalmente deve ser considerado que nas condições atuais de produção dessa cultura, no âmbito da agricultura familiar no nordeste, o valor da força de trabalho representa 80% do custo de produção (8). Esse fato significa na realidade uma sobre-explotação da força de trabalho familiar, pois boa parte da energia investida no processo produtivo é a força de trabalho dos membros da família, incluídos mulheres e crianças como de fato acontece na cultura da mamona e nas outras culturas. Esse é um motivo a mais para se formular e implantar uma política pública que incorpore a “Bolsa Trabalho” e se subsidie os custos de produção da mamona dos agricultores mais pobres.

Entretanto essa política pública para apoiar a produção da mamona não pode considerar unicamente os aspectos relativos à estabilidade dos preços. Deve levar em consideração outros aspectos levantados como críticos pelos próprios agricultores e também por pesquisadores da cultura da mamona. Alguns defendem com razão a necessidade de evitar a monocultura desse cultivo, promover novas alternativas de produção e a expansão da policultura para garantir a produção de alimentos, promover um melhor manejo dos solos e contribuir para uma tendência a sustentabilidade no semi-árido.

Com relação ao conteúdo de uma política de apóio a mamona, além da majoritária opinião sobre o problema de instabilidade dos preços, uma parte considerável dos consultados opina que é indispensável fornecer aos produtores mais conhecimentos e assistência técnica, bem como cursos de treinamento e capacitação sobre os diversos aspectos do processo de produção. É indispensável considerar que os agricultores devem ser treinados, capacitados e assistidos para que o balanço energético da produção do biocombustível da mamona melhore e seja ainda mais favorável. Esse é um aspecto formativo e educativo fundamental que deve se tornar um propósito em todos os processos de produção de biocombustíveis para contribuir realmente ao clima global do planeta.

Ainda no âmbito da pesquisa dos monitores e agricultores, outros entrevistados mencionam a necessidade de organizar a produção coletiva ou associada, dada a perda de recursos para o agricultor com a presença do comerciante intermediário ou atravessador no processo de comercialização. Outras opiniões referem-se à necessidade de melhorar as sementes da mamona e a conveniência de construir postos de compra ou depósitos para tirar o atravessador no caminho da comercialização.

Desta forma, a política pública de apoio à produção da mamona deverá incorporar a mobilização e organização dos produtores em associações, de maneira que essas entidades coletivas funcionem como centros de referência e pontos de apoio para os próprios processos de treinamento e formação técnica, bem como lugares de intercambio de conhecimentos e de experiências nas práticas agro-ecológicas e na vida social.

Outras sugestões advindas dos entrevistados mencionam à necessidade de contar com financiamento para o plantio, o qual seria a própria “Bolsa Trabalho” ou “Bolsa Produção” e que de fato deve constituir o eixo da política. Sugere-se com razão a necessidade de agregar valor localmente a mamona mediante a sua industrialização. Essa idéia refere-se á construção nas regiões de mini-usinas para esmagamento e obtenção do óleo, o qual seria uma fonte nova de emprego com maior especialização e perspectiva de trabalho para os jovens, que em geral continuam emigrando da região.

Convém ressaltar que o fato de existirem tão diversas sugestões demonstra que uma política pública de apoio à produção da mamona, implica vários aspectos como os já comentados e que incluem, entre outros, um mecanismo financeiro para a estabilização dos preços; a capacitação e assistência dos produtores para melhorar o processo produtivo e o balanço energético; a organização coletiva ou associada para a produção e comercialização buscando evitar os atravessadores; a melhoria das sementes da mamona e a sua efetiva distribuição entre os agricultores; a construção de postos de compra e depósitos que podem estar localizados nas sedes das entidades associativas e a construção de usinas regionais para o esmagamento da mamona e a agregação de valor para a geração de emprego. Todas essas idéias foram sugeridas pelos próprios produtores de mamona, as quais demonstram tanto as diversas necessidades e a complexidade de uma política pública para apoiar o seu cultivo, bem como o conhecimento que os produtores têm da sua própria realidade e problemática sócio-ambiental e da esperança de uma vida melhor a partir do trabalho e da produção.

Finalmente cabe mencionar, que além de todos esses aspectos indispensáveis para que a mamona se constitua numa verdadeira alternativa de renda para melhorar as condições de vida dos agricultores familiares, é necessário contar com a disponibilidade de água, na medida em que o rendimento do cultivo depende da intensidade das chuvas, as quais são cada ano mais escassas. Infelizmente e como o afirmou um agricultor “as chuvas não dependem dos homens, nem de uma política pública”. Esse impedimento de ordem maior somente será resolvido assumindo e trabalhando para o futuro numa idéia já lançada há algumas décadas por um visionário considerado loquaz: “irrigar as terras potenciais do nordeste com água da bacia amazônica”. Na realidade essa idéia tem sido retomada recentemente pelo Gabinete de Assuntos Estratégicos do Governo Lula e embora tenha sido criticada mesmo como uma ação para o futuro, é verdade que as demandas das próximas décadas de alimentos e de biocombustíveis no planeta justificarão um dia os estudos para essa obra de manejo e condução de águas. O propósito desses estudos deverá ser a viabilidade sócio-ambiental das obras, de forma que a condução das águas seja ambientalmente racional e socialmente beneficie as populações pobres do semi-árido.

Referências Bibliográficas
  • O Agronegócio da Mamona no Brasil. Ferreira dos Santos, Roberio, Et.al. Ministério da Agricultura.
  • Op.Cit.
  • Peres Rodrigues, José Roberto. Et.al. Biocombustíveis. Uma Oportunidade para o Agronegócio Brasileiro. Revista de Política Agrícola.. Ano XIV No. 1. 2005. pg. 31. Ministério de Agricultura. Brasília
  • Peres Rodrigues, José Roberto. Et.al. Biocombustíveis. Uma Oportunidade para o Agronegócio Brasileiro. Revista de Política Agrícola.. Ano XIV No. 1. 2005. pg. 31. Ministério de Agricultura. Brasília
  • Peres Rogrigues, José Roberto. Op.Cit. P. 36
  • Silva Suerdik, Sidnei. “Políticas Públicas de Fomento ao Biodiesel na Bahia e no Brasil: Impactos Sócio-Econômicos e Ambientais com a Regulamentação Recente”. Bahia Análise & Dados. Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006
  • Urquiaga, Segundo, et.al. Produção de Biocombustíveis. A Questão do Balanço Energético. Revista de Política Agrícola. Ano XIV No. 1/2005. Ministério de Agricultura. Brasília.
  • Kouri, Joffre; Dos Santos Ferreira, Robério. Mamona. Aspectos Econômicos. Coleção 500 Perguntas, 500 Respostas. Embrapa. Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
* Consultor e pesquisador, coordenador do Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades Alves Faria. ALFA.

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