quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Agricultura familiar quer garantir espaço na produção de biodiesel

Por Maurício Thuswohl, da Carta Maior

Obrigatoriedade da mistura de pelo menos 2% de biodiesel em todo o óleo diesel convencional produzido no Brasil começa a vigorar em janeiro de 2008. Governo aposta no Selo Combustível Social para incentivar participação dos pequenos agricultores. Contag aponta problemas no programa.

BRASÍLIA – O modelo de participação dos pequenos agricultores no processo de expansão dos biocombustíveis no Brasil foi um dos principais pontos de discussão entre governo federal e representantes dos trabalhadores rurais durante a IV Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária, que se encerrou no domingo (7) em Brasília. Ambas as partes concordaram que o aprofundamento deste debate é urgente, pois em janeiro do ano que vem começa a vigorar a obrigatoriedade da mistura de pelo menos 2% de biodiesel em todo o óleo diesel convencional produzido no país.

A demanda por biodiesel em 2008, segundo estimativas do governo, ultrapassará a marca de um bilhão de litros. O desafio é dar condições aos agricultores familiares para atender a esse novo mercado sem serem engolidos pelos gigantes do agronegócio. De um lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) avalia que o programa de biodiesel terá forte impacto no campo, e procura desenvolver mecanismos para estimular a entrada, de forma qualificada, da agricultura familiar nessa cadeia produtiva. De outro, importantes organizações do movimento dos pequenos agricultores, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), reconhecem os esforços do governo, mas apontam algumas lacunas consideradas importantes.

O principal trunfo do MDA para garantir a participação dos pequenos agricultores na expansão da produção de biodiesel foi a criação do Selo Combustível Social, concedido às empresas que compram matéria-prima junto às cooperativas, sindicatos e associações de trabalhadores ligados à agricultura familiar. Por determinação do governo, oitenta por cento do biodiesel produzido a partir de 2008 terá de ser obrigatoriamente oriundo de empresas que detenham este selo. As empresas certificadas também terão redução no pagamento de PIS/Cofins, fato que faz com que o interesse do mercado pelo selo social seja grande. O tempo urge, pois os quatro leilões virtuais para a compra do biodiesel que será usado no ano que vem acontecerão em novembro e dezembro próximos.

“O Selo Combustível Social foi a forma que o governo brasileiro encontrou para estimular a parceria entre as indústrias de biodiesel e os agricultores familiares”, afirma Arnoldo de Campos, que é diretor de Geração de Renda e Agregação de Valor do MDA. Segundo ele, as empresas interessadas em obter o selo e investir na produção de biodiesel vêm de diversos segmentos industriais: “Existem empresas do setor de combustíveis, do setor químico, petroquímico, dos óleos vegetais, cooperativas e empresas estatais, como a própria Petrobras”, diz.

Atualmente, segundo Campos, existem 21 empresas espalhadas pelo país que já obtiveram a certificação do Selo Combustível Social: “Juntas, elas já somam uma capacidade de produção de quase 1,6 bilhão de litros de biodiesel por ano”, diz. As rodadas de negociações entre as indústrias e as organizações representativas dos agricultores acontecem todos os anos, a cada início de safra.

“Agora mesmo nós estamos encerrando o ciclo de negociações da safra 2007/2008. Durante o processo, as cooperativas e os sindicatos negociam matérias-primas para a produção do biodiesel. Negociam os grãos e, em alguns casos, até mesmo o óleo vegetal é comercializado pelas cooperativas. São os agricultores que definem os preços, as condições de entrega e as quantidades que serão negociadas para cada estado, região ou pólo produtivo. Daí se tira o cronograma daquela safra”, explica Campos.

A safra 2006/2007, segundo o dirigente do MDA, foi encerrada com 540 mil hectares plantados com oleaginosas pelos agricultores familiares: “Tivemos cerca de 97 mil famílias participando de alguma etapa da cadeia produtiva, sobretudo a produção de matérias-primas”, diz. Metade dessas famílias está localizada na Região Nordeste e produz numa área de 130 mil hectares. Em segundo lugar vem a Região Sul, com cerca de 30 mil famílias camponesas associadas à produção de biodiesel. As principais oleaginosas plantadas pelos pequenos agricultores são a mamona, o girassol, a soja, a palma e a canola.

Contag aponta “sérios problemas”
Secretário de Política Agrícola da Contag, Antoninho Rovaris reconhece a importância política do sistema de leilões e de concessão do Selo Combustível Social, mas demonstra algumas dúvidas sobre a eficácia do projeto de inclusão dos trabalhadores da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel que está se desenhando: “Nós enxergamos, a princípio, os esforços políticos da SAF (Secretaria de Agricultura Familiar) do MDA como muito positivos. Porém, nós não sentimos o mesmo empenho da SAF no governo como um todo, nem mesmo em alguns setores do próprio MDA. Quem está tentando viabilizar a parte prática da inclusão dos pequenos agricultores no biodiesel somos nós mesmos trabalhadores”, diz.

Rovaris cita os pontos que a Contag considera ainda falhos no programa do governo: “Nós temos até o momento problemas sérios de inclusão dos agricultores no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), temos a questão do zoneamento agrícola, temos o problema do endividamento e da dificuldade de acesso ao crédito. Além disso, a pesquisa não acompanhou as necessidades atuais da produção de biodiesel, ou seja, não temos sementes certificadas para praticamente nenhuma das oleaginosas requeridas pelo aumento da demanda. Entendemos que o esforço político do governo está acontecendo, mas não está acontecendo o esforço prático no sentido de criar as condições mínimas de inserção da agricultura familiar dentro do programa nacional de biodiesel”, diz.

Governo promove reuniões
Arnoldo de Campos pondera, lembrando que o programa de biodiesel é novo e está apenas em sua segunda safra: “É natural que durante a implementação apareçam vários problemas, e nós no governo estamos conscientes. O Pronaf, por exemplo, está todo pronto para financiar as oleaginosas, mas os agentes financeiros, o zoneamento agrícola, a capacidade de elaboração de projetos por parte dos próprios agricultores e suas organizações não têm permitido um acesso na quantidade e na qualidade desejadas”, lamenta.

Segundo Campos, o governo já atua para sanar essas dificuldades: “O governo está promovendo reuniões entre agricultores, empresas e bancos para que se possa agilizar o financiamento da próxima safra. Nossa expectativa é ter um maior número de agricultores conseguindo acessar o Pronaf. Isso é muito importante para que eles possam utilizar as melhores tecnologias de cultivo e tenham condições de manter o funcionamento dessas culturas durante o período todo em que elas são desenvolvidas”, diz.

Em relação à certificação das sementes, o dirigente do MDA faz outra ressalva: “Houve uma expansão muito grande da área plantada com oleaginosas que não eram tradicionalmente cultivadas em grande escala no país, como o girassol, a mamona e o dendê. Então, é preciso ainda produzir as sementes básicas dessas oleaginosas, que depois serão transformadas em sementes que irão para o comércio”, diz. Campos lembra que o governo, através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), também já trabalha para superar rapidamente esse obstáculo.

(Envolverde/Agência Carta Maior)

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