quinta-feira, 3 de maio de 2007

Hollywood, política, verdades e inconveniências

Ecio Rodrigues (*)

É possível que o documentário “Uma Verdade Inconveniente”, ao receber dois prêmios na última cerimônia de entrega do Oscar, tenha sido o grande vencedor da noite. Mais que isso, a premiação demonstrou o quanto a indústria de cinema mais poderosa do mundo está sensibilizada com a causa do aquecimento global.

Dois documentos recentes podem ter influenciado a academia. O primeiro, elaborado sob a chancela do governo inglês, concluiu que o aquecimento implicará numa perda econômica em torno de 20% da riqueza mundial; e o segundo, produzido pela ONU, afirma não haver dúvidas de que o planeta está aquecendo e que a culpa é da humanidade – leia-se, da quantidade e qualidade dos produtos consumidos atualmente.

O controle das emissões de fumaça - maiores responsáveis pelo gás carbono jogado na atmosfera, que, por sua vez, é o gás com maior parcela de contribuição para o efeito estufa e o conseqüente aquecimento global - ganha especial reforço com o envolvimento de Hollywood. Al Gore, ex-vice presidente americano e autor da palestra que é o tema do documentário, demonstrou que a política pode e deve ser realizada fora dos meios habituais e, melhor, de forma diferente.

O documentário foi produzido e dirigido de maneira exemplar. Com quase duas horas de duração, sem cansar o expectador, são discutidos com pormenores todos os elementos que envolvem o tema do aquecimento do planeta. Trata-se da filmagem de uma apresentação que Al Gore vem realizando pelo mundo, ao longo dos últimos seis anos, desde que saiu derrotado na conturbada eleição do primeiro mandato de George Bush.

Ao primar pelas questões técnicas, o documentário apresenta a opinião da comunidade científica que há anos estuda o fenômeno. Todavia, sem deixar de lado as implicações políticas do tema, também traça um novo mapa para a geopolítica internacional em formação, no qual estariam excluídos os Estados Unidos, cujo governo republicano se recusou a assinar o Protocolo de Kioto. Sugerindo, evidentemente, a importância do retorno dos democratas ao poder.

Aliás, ao mesclar a carreira pessoal e política de Al Gore, com sua peregrinação contra o aquecimento global, o filme (essa é a sensação que se tem) indica a possibilidade de que seu artista principal tenha intenções (negadas por ele) de retorno à cena política.

Entretanto, independentemente dos futuros rumos que as eleições americanas venham a tomar, Al Gore, por duas razões, merece todo o crédito. Primeiro, pelo discernimento político que o levou fazer política de forma diferente, usando uma fórmula há muito esquecida, mas que faz parte dos princípios da democracia, qual seja: a discussão franca nas praças, nas cidades, diretamente com o povo. A palestra que originou o documentário foi apresentada, pelo próprio Al Gore, nas principais cidades americanas e em vários países.

Segundo, por ter tido coragem e sensatez para eleger o tema do aquecimento global como o de maior prioridade para a humanidade. Um tema difícil de ser explicado e discutido, que sempre esteve ausente das prioridades dos políticos. Um assunto relegado à condição de preocupação de ambientalistas que querem impedir o progresso, a geração de emprego e renda, o desenvolvimento e assim por diante. Um assunto considerado indefensável e sem solução.

Ao se transformar no paladino da ecologia, Al Gore retorna em grande estilo à cena política da qual foi afastado por Bush. Volta verde e com uma questão muito inconveniente, afinal, os americanos são contra o Protocolo de Kioto.

Ao invés de guerras, quer discutir a sustentabilidade do planeta. Somente por isso, já vale assistir ao seu documentário.

(*) Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Nenhum comentário: