sexta-feira, 4 de maio de 2007

Contradição enfraquece relatório sobre clima



Terceiro sumário do IPCC, que sai hoje, sucumbe à pressão política



Andrei Netto, BANGCOC

Para manter seu poder de persuasão política hoje, em Bangcoc, na Tailândia, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) terá de superar contradições e fraquezas do relatório preliminar. Defasado e controverso em certos pontos, o sumário sobre emissões e mitigação do efeito estufa abriu o flanco para que políticos o contestem. Também permitiu a guerra de informações entre países ricos, liderados pelos Estados Unidos, e emergentes, encabeçados pela China.
Ao contrário dos dois sumários anteriores, divulgados em fevereiro e abril , o documento deixa de apresentar números indiscutíveis e informações atualizadas. Um exemplo é o debate em torno de qual concentração de CO2 na atmosfera (e a qual temperatura ela corresponde) a humanidade consegue administrar.
O índice preferido da comunidade científica fica entre 445 e 535 partes por milhão (ppm), que implicaria até 2,4°C a mais em relação à temperatura pré-Revolução Industrial após 2030. O custo para manter a concentração nesse patamar seria de até 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial - que suscitaria urgência por parte dos governos na busca de medidas de contenção das emissões de gases-estufa.
As pesquisas que indicam esse cenário, entretanto, são escassas e têm bases de dados precárias. Os próprios cientistas admitem a pouca evidência.
Por outro lado, os estudos mais completos não são os mais atuais, nem ideais para manter as mudanças climáticas sob certo controle. Eles fixam cotas mais altas de concentração, de 550 a 650ppm - que levariam a uma Terra ainda mais quente. Contudo, o custo da mitigação seria menor, entre 0,5% e 3% do PIB até 2030.
Para esses níveis de concentração, o grau de confiança dos cientistas fica perto do ideal: “concordância elevada, com evidências médias” no palavreado do IPCC. Por isso, esse patamar tem mais chances de constar no texto final do que o primeiro.

CISÃO

A falta de pesquisas atuais consolidadas facilitou a pressão política. Dados conflitantes sobre um mesmo tópico permitiram aos governos escolher o raciocínio que melhor lhes convinha.
Foi com base nessa dicotomia que o IPCC rachou ao longo da semana. Países desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos, e nações em desenvolvimento, representados pela China e com a retaguarda do Brasil, estiveram reunidos em blocos opostos. Eles travaram uma disputa sobre quem deve começar a cortar as emissões de gases-estufa e a pagar a conta.
Países ricos lembraram que as emissões de nações em desenvolvimento serão as que mais crescerão até 2030, portanto seria mais fácil que o controle partisse delas. A delegação americana disse que entre dois terços e três quartos do percentual de crescimento da concentração de CO2 na atmosfera, que pode variar de 25% até 90% a mais até 2030, será responsabilidade dos emergentes.
Os emergentes justificaram que, mesmo com o crescimento, os ricos manterão um índice de emissão per capita mais alto. A China falou de 9,6 e 15,1 toneladas de carbono por habitante nos países ricos - e entre 2,8 e 5,1 toneladas nos emergentes. Além disso, sustentaram as delegações, o passivo histórico cabe às nações industrializadas.
A discussão extrapolou o salão onde aconteceu a reunião. Stephan Singer, da ONG WWF, questionou a validade das discussões técnicas do IPCC ao considerar que os níveis “aceitáveis” de elevação da temperatura são altos demais. O próprio IPCC indica que 30% das espécies correm risco de extinção com 2°C a mais na temperatura média do globo.
De acordo com o jornal The Nation, de Bangcoc, o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, considerou o atual debate o mais delicado das reuniões feitas neste ano pelo grupo com as delegações. Questionado sobre o que esperar das discussões atuais, Pachauri foi transparente: “Eu não sei”.

OS RELATÓRIOS

Comprovação da culpa:
Publicado em fevereiro, em Paris, o primeiro sumário para formuladores de políticas do IPCC em 2007 indicou que o aquecimento global é real e fruto da ação do homem. O texto mostrou que, até 2090, a temperatura pode subir entre 1,8ºC e 4ºC no planeta
Os efeitos do aquecimento: Em abril, em Bruxelas, cientistas e delegados governamentais discutiram os efeitos econômicos e sociais do aquecimento global. O texto original sofreu interferências políticas de nações produtoras de petróleo e gás - Estados Unidos, Rússia, China e Arábia Saudita - e foi abrandado. Cerca de 30% das espécies animais e vegetais correm risco de extinção com o acréscimo de 2ºC na temperatura média da Terra
As medidas para evitar o pior: O terceiro sumário da série será publicado hoje em Bangcoc, na Tailândia. Ele menciona as medidas centrais para reduzir a concentração de CO2 na atmosfera e vai além, ao avaliar o custo das medidas de mitigação. De acordo com o nível de concentração dos
gases-estufa na atmosfera que será adotado pelos países, o
custo pode oscilar entre 0,2% e 5,5% do PIB mundial até 2030.



O Estado de São Paulo



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