quarta-feira, 18 de abril de 2007

A esquizofrenia brasileira, a obsolescência de Quioto e o clima

A esquizofrenia brasileira, a obsolescência de Quioto e o clima
De olho na Amazônia | Imagem: Universia
Ainda no rastro da divulgação, na semana passada, do segundo volume do relatório mundial sobre mudanças climáticas [ver mais ao lado], a Rets conversou com o professor de Relações Internacionais da UnB Eduardo Viola. Autor de análises contundentes, ele diz que o Brasil tem uma posição "esquizofrênica" no que se refere à emissão de CO2, principal gás causador do efeito estufa. Esse comportamento, afirma, se revela no fato de o país conjugar uma matriz energética majoritariamente limpa, um conjunto de combustíveis que ficam no meio-termo em relação à emissão de gases causadores do efeito-estufa e uma extrema emissão de CO2, por conta do desmatamento.

Com relação ao desmatamento, aliás, e à resistência à sua diminuição, a opinião do professor também é contundente. Considera o resto do país mais sensível e favorável à diminuição do desmatamento do que alguns segmentos da população amazônica, que, segundo ele, associam a derrubada de árvores ao crescimento econômico. "É um mito embutido, resquício de uma realidade do passado, mas que não precisa ser assim no futuro", avalia.

Rets - Por que o senhor defende a obsolescência relativa do Protocolo de Quioto?

Eduardo Viola - Os parâmetros de grandes emissões de CO2 considerados no acordo não envolvem os grandes países emergentes, particularmente China e Índia, os dois gigantes demográficos. O tamanho – econômico e habitacional – desses dois países faz qualquer esforço de redução de emissões de gases estufa (ou de mera estabilização) que não os envolva ser inócuo [o Protocolo de Quioto, assinado em 1997, só estabelece metas para países desenvolvidos e, para isso, considera os índices de 1990. Nessa época, China e Índia ainda não tinham o peso mundial que têm hoje]. Sem haver uma definição de objetivos também para os grandes países emergentes, particularmente China e Índia, os esforços se perdem.

Além disso, o ritmo do processo de mudanças climáticas é mais acelerado do que o previsto em Quioto, dez anos atrás. Para que sejam de alguma relevância, os fatores de mitigação têm que ser mais fortes que os avaliados na época. Porque se passou uma década e, com isso, se tem melhor noção, mas também porque a situação piorou.

Rets - Em um possível novo pacto global para frear emissões de CO2 (e outros GEE), o que o senhor acha prioritário considerar? O que o Brasil deveria defender e no que deveria ceder?

Eduardo Viola - Os interesses internacionais atuais de reduzir o impacto de mudanças climáticas estão em consonância com os do Brasil. A China, por exemplo, está longe de ter a mesma consonância que o Brasil tem com o cenário internacional.

O Brasil deveria defender que todos os países de renda média e alta – independentemente se são emergentes ou não, se populosos ou não – se comprometam com metas de redução de emissões. A linha divisora entre ter ou não compromisso não mudaria radicalmente. Apenas os países realmente pobres (os que têm renda per capita de até U$ 800, por exemplo) não precisariam se comprometer.

Existe um ponto importante quanto à China e à Índia. A China já requer uma redução imediata de emissões. A Índia requer uma redução de curva de emissão. Pra Índia a necessidade de mudança vai chegar um pouco mais tarde.

O Brasil poderia se colocar um compromisso mais forte que outros países, pois tem custo menor de redução de emissões. Bastaria reduzir o desmatamento, que atualmente representa 3/4 das emissões brasileiras. Aqui no país, reduzir emissões não afeta o crescimento econômico nem no curto, nem no médio, nem no longo prazo. Então não afeta ninguém.

Rets - No que se refere à emissão de carbono do Brasil, o senhor costuma dizer que o país tem uma posição esquizofrênica. O senhor pode explicar por quê?

Eduardo Viola - A economia moderna brasileira tem matriz energética limpa. Particularmente para a geração de energia elétrica e potencialmente nos combustíveis líquidos para transporte.

Por outro lado, há uma absurda e brutal emissão de carbono derivada das mudanças no uso da terra. Basicamente, em função das transformações no uso da terra na região amazônica, onde o desmatamento é usado para abrir campos agriculturáveis. Outros países que têm muita emissão derivada do desmatamento também são emissores fortes quando se considera a matriz energética.

Mas o Brasil, não. A geração de energia é majoritariamente limpa, mas há índices absurdos de emissão de CO2 por causa das queimadas e do desmatamento. Então é esquizofrênica por causa desses dois extremos: modernidade na matriz energética convivendo com extrema emissão de gases que causam efeito estufa decorrente do uso da terra.

A energia voltada para o transporte fica no meio termo. A maioria do transporte no país é rodoviária, ou seja, usa muito mais combustível. Além disso, a infra-estrutura viária nas estradas está deteriorada. Há congestionamento, buracos etc. Tudo isso desgasta o equipamento. Assim, gasta-se mais combustível e dinheiro. A mesma coisa para a infra-estrutura urbana nas cidades e regiões metropolitanas. Aliás, não só no Brasil. A Índia também tem esse problema gravíssimo.

Para melhorar e diminuir as emissões, o país deveria usar os três tipos de transporte: rodoviário, hidroviário e ferroviário. Especialmente para cargas, deveria priorizar o transporte ferroviário; não tanto para pessoas.

Rets - Num país como o Brasil, em que a disponibilidade de sol e de vento é tão grande, há motivos para investir em energia nuclear, considerada potencialmente perigosa?

Eduardo Viola - O mundo precisa de energia nuclear. O Brasil, não. A conclusão ou não da construção da usina Angra 3 depende de relação custo-benefício. Para o mundo, a energia nuclear será necessária como um mal menor. Atualmente, os danos causados pela emissão de carbono ultrapassam o mal possível da energia nuclear. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que aumentou a segurança dos reatores nucleares. Além disso, a reação mundial antinuclear surgiu muito antes dos problemas das mudanças climáticas. Agora que essa realidade existe, é preciso encontrar alternativas. E a energia nuclear pode ser uma delas. Infelizmente, não se pode ter tudo. Há que se pensar numa combinação de custos e benefícios.

Mas, certamente, o Brasil não precisaria de energia nuclear. As suas emissões, como já disse, não se devem tanto à queima de petróleo. Seu grande problema é o desmatamento.

Rets - O senhor afirmou recentemente, num seminário sobre mudanças climáticas, que a população amazônica é menos favorável à redução do desmatamento do que o resto do país. O senhor poderia explicar por quê?

Eduardo Viola - Fora da Amazônia, hoje em dia, é unânime a percepção de que o desmatamento não tem sentido. É maciça a oposição. Há 20, 30 anos, pensava-se que era apenas mato e poderia ser melhor transformar em algo mais. Mas hoje tem-se noção da riqueza da biodiversidade, do problema das emissões etc. Porém um segmento da população amazônica é refratário à idéia de parar de desmatar.

Esse segmento varia por estados. Alguns têm história de crescimento por desmatamento e uso da terra, como Pará, Mato Grosso e Rondônia – a famosa fronteira agrícola. Já no Amazonas o centro da economia é a Zona Franca. Não se ocupam tanto de desmatar. No Acre houve uma reorientação histórica por causa de Chico Mendes e a luta do movimento de seringueiros, que pregavam o extrativismo sustentável. Entraram para a história em outra época, quando o mundo olhava mais para o desmatamento.

Então, nos três estados historicamente associados a desmatamento – Pará, Mato Grosso e Rondônia – a maioria associa crescimento econômico com desmatamento. É um mito embutido, resquício de uma realidade do passado, mas que não precisa ser assim no futuro.

Esta questão sobre uso de recursos naturais é historicamente parecida em outras áreas e países. Nos Estados Unidos do século 19, a população do leste (que tem como última fronteira o Oceano Atlântico) estava preocupada em proteger recursos naturais. A do oeste (fronteira terrestre, junto ao México) queria desmatar para plantar, crescer.

O que acontece no Brasil é que a população que está na fronteira dos recursos naturais é mais imediatista. Muitas vezes, são pessoas que foram para esses lugares procurando mobilidade social e oportunidades econômicas. Têm uma visão diferente de gente de outros locais, onde o recurso está estabilizado, ou seja, já foi explorado e já está num nível que não muda mais. Exemplo: as cidades.

A opinião majoritária do país tem que se impor sobre esse segmento minoritário. E, talvez, criar compensações e novas oportunidades para a essa população da fronteira não ficar prejudicada.

Maria Eduarda Mattar

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