terça-feira, 10 de abril de 2007

Discurso catastrófico sobre clima se distancia da ciência, diz analista

"Parece que somos nós, cientistas que investigam o clima, os céticos", diz Mike Hulme



BRUXELAS - As mudanças climáticas são uma realidade, e a ciência confirma que a atividade humana tem boa parte da culpa.

Mas, nos últimos anos, um novo fenômeno ambiental surgiu na Grã-Bretanha - o fenômeno das mudanças climáticas "catastróficas".

Como se simples "mudanças climáticas" não fossem suficientes, agora elas precisam ser "catastróficas" para merecer atenção.

O aumento no uso deste termo pejorativo - e seus semelhantes "caótico", "rápido" e "irreversível" - alterou o discurso público em torno do tema.

Eu mesmo estou sendo cada vez mais castigado por ambientalistas quando minhas palestras não satisfazem a sede deles por uma retórica exagerada.

Parece que somos nós, cientistas que investigam o clima, os céticos.

Fatores

O que levou o debate entre cientistas especialistas em mudanças climáticas e céticos a agora ser um debate entre cientistas e alarmistas?

Por que políticos e cientistas estão, junto com ativistas, confundindo a linguagem do medo, do terror e do desastre com a realidade física observável das mudanças climáticas, ignorando deliberadamente os cuidados que cercam as previsões científicas?

Acredito que isso se deva a três fatores. Primeiramente, o discurso da catástrofe é um mecanismo de campanha que está sendo mobilizado no contexto do fracasso do Protocolo de Kyoto.

Os signatários não vão cumprir com suas obrigações de reduzir a emissão de gás carbônico. As campanhas então requerem uma reação determinada para aumentar o interesse - e a linguagem da catástrofe climática vem a calhar.

Em segundo lugar, esse discurso é um mecanismo político e retórico para modificar o ângulo das negociações sobre o que deve ocorrer quando o Protocolo de Kyoto expirar, em 2012.

Finalmente, o discurso da catástrofe dá espaço para a realocação das verbas para pesquisas científicas. Falta pouco para se alegar que os riscos que o mundo corre são reais e iminentes, dando a entender que mais uma "injeção" de dinheiro vai permitir que cientistas possam quantificar esses riscos.

Ciência

Precisamos fazer aqui uma pausa para refletir. A linguagem da catástrofe não é a linguagem da ciência. Ela não faz parte dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês).

E funciona como um poderoso meio para induzir uma mudança de comportamento. Isso já foi visto em outras áreas da saúde pública. As descobertas do IPCC são importantes o suficiente sem invocar a catástrofe e o caos como armas que ameaçam desesperadamente a sociedade.

Acredito que as mudanças climáticas são reais e precisam ser enfrentadas com várias atitudes. Mas o discurso da catástrofe corre o risco de colocar a sociedade em uma trajetória negativa, deprimente e reacionária.

*Mike Hulme é professor de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia e diretor do Centro Tyndall para Pesquisas em Mudanças Climáticas.

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